segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A mais bonita

O Leo e o Dinho riram muito, quando o Barba declarou que era "levemente bonito".
- Tão rindo do quê? - perguntou o Barba, ofendido.
- Ah, cara, é que foi engraçado isso... - respondeu o Dinho, rindo.
- O quê? Que eu disse que sou levemente bonito? o que tem de engraçado?
- É. Sei lá, meu. Foi engraçado, ouvir você se achar o bonitão.
- Não foi isso que eu disse. Não sou nenhum Brad Pitt, mas também não sou feio. Sou levemente bonito. Tenho uma beleza agradável.
O Dinho sufocou um riso. O Barba bateu com a mão na mesa.
- E querem saber? Posso não ser irresistível, mas sou mais bonito que vocês dois!
- Ah, claro - ironizou o Dinho - essa sua barriguinha aí, inclusive, é super sexy.
- Bem delineada, numa forma perfeita de bola - continuou o Leo - a Alinne Moraes das barrigas.
- Vou provar pra vocês. Amanhã vamos perguntar às meninas.
Os outros não deram bola, pensando que o Barba ia esquecer. Mas no dia seguinte estavam eles com a Cacá, a Sandra e a Duda, e o Barba perguntou a elas qual dos três era o mais bonito. O Barba era assim. Implicava com pouca coisa.
- Não sei... - tentou se esquivar a Duda.
- Não se incomodem, não precisam dizer quem é o mais feio, só apontar o mais bonito - instruiu o Barba.
As meninas relutaram um pouco. Não queriam que ninguém se sentisse mal. Os próprios homens do grupo disseram para o Barba deixar pra lá, mas o Barba fazia questão de ouvir a resposta. Elas finalmente aceitaram, debateram entre si por um rápido momento e responderam:
- O Leo.
O Leo comemorou, e aproveitou para zoar o Barba. Mas não acabou. Logo depois, a Cacá disse:
- E nós? Qual a mais bonita de nós três?
O Dinho pressentiu o perigo e tratou de responder logo:
- Ah, vocês três são bonitas iguais. Daí é questão de gosto.
- É - concordou o Leo - não dá pra dizer que uma é mais bonita que a outra.
Dizer que um homem é mais bonito que o outro é uma coisa. Agora, com mulheres, é diferente. Dizer que uma das três era mais bela que as outras seria instaurar o caos entre elas e entre o grupo como um todo. Melhor se esquivar da pergunta.
O Leo já estava prestes a emendar outro assunto quando o Barba interrompeu:
- Peraí, deixa eu pensar bem.
Os outros dois seguraram a respiração. Se o Barba fosse esperto, tivesse um pingo de sabedoria, ele iria encerrar o assunto ali. Diria que também não sabia qual era a mais bonita, e seguiria adiante, emendando uma discussão sobre o BBB ou o Haiti. Mas o Barba era metódico. Se irritava quando as pessoas se atrasavam cinco minutos para um compromisso. Fazia um escarcéu se esqueciam de lhe dar a nota fiscal. E odiava quando alguma pergunta ficava sem resposta. Era assim. Implicava com pouca coisa.
Por um longo tempo, ele ficou pensativo, olhando para as três. Que já não estavam mais sorrindo, estavam sérias. A resposta do Barba seria definitiva. Se ele dissesse que uma era a mais bonita, era porque esta era a mais bonita. Não havia margem para dúvidas. E elas também já estavam pensando nas implicações daquilo. Como viveriam, sabendo que uma era superior às outras?
Finalmente, o Barba decretou:
- Não sei, não sei dizer.
O Leo e o Dinho respiraram aliviados. Já estavam quase azuis, de segurar a respiração. Logo apressaram-se em mudar de assunto, e a conversa seguiu um rumo animado. Sobre o BBB. Mas, durante o resto do tempo, o Barba ficou quieto, pensativo.

***

O Leo e o Dinho já tinham até esquecido da situação, mas não o Barba. Certo dia, ele disse ao Dinho, meio que do nada:
- Não consigo me decidir.
- Sobre o quê? - perguntou o Dinho, aéreo.
- Sobre qual delas é a mais bonita.
- Sobre qual das... ah, você ainda está pensando nisso?
- Depois daquilo a Sandra me ligou. Falou qualquer coisa, primeiro, depois disse que queria saber quem eu achava que era a mais bonita, de verdade. Achou que eu não dissera nada na hora para não magoá-las.
- E aí?
- Daí que eu disse pra ela a verdade. Que eu não sei qual é a mais bonita. Eu penso, penso e não consigo me decidir. Ela não se convenceu. Falou mais qualquer coisa e desligou. Depois que eu me toquei que ela nunca tinha ligado pra mim antes. Foi a primeira vez.

***

- A Cacá tem o rosto mais bonito. - ponderou o Barba
- Anrã - concordou o Leo.
- Lindo mesmo. De um anjo. Olhos azuis... e, é claro, tem um corpo de modelo.
- Isso. Alta e magra. Eu gosto.
- E não de um jeito que ela pareça desengonçada.
- Não, não.
- Ao contrário, ela tem um porte elegante. Sexy. Ela caminha ereta, com seus cabelos loiros esvoaçantes. Por outro lado, a Duda...
- Ah, a Duda...
- A Duda é gostosa. É baixinha, e certamente não é magrela. Ela tem onde pegar. Ela tem conteúdo, se você me entende.
- Entendo. E nos lugares certos.
- Nos lugares certos. É isso. Ela e a Cacá são meio que opostos. A Cacá é loira e alta, e a Duda é uma morenaça cheia de curvas...
- É a diferença entre bonita e gostosa. A Cacá é bonita, e a Duda é gostosa.
- Não.
- Não?
- A Duda é linda, também. Tem um rostinho tão angelical quanto a Cacá. E o corpo só colabora para o resultado final. Agora, a Sandra...
- A Sandra fica no meio termo.
- Isso. A Sandra é estatura média, nem baixinha nem alta, gostosinha, bonitinha.
- Não é nem um nem outro. É mais sem graça que as outras.
- Será? Talvez esse meio termo seja a resposta. Ela pega o melhor das duas e combina numa versão econômica. É o pacote misto.
- Então é ela? Ela é a mais bonita?
- Não sei, não sei...

***

- Alô?
- Alô, Barba?
- Oi?
- É a Duda, tudo bem?
- Oi, Duda.
- Escuta, estou ligando pra saber se você não viu meu celular por aí. Acho que eu esqueci na casa do Leo. Você não pegou?
- Não. Não sei de nada.
- Tá. E de mais tudo bem?
- Olha, estou com uma ferida no pé meio feia, mas o médico disse que...
- Escuta, tava me lembrando daquele dia em que a gente estava falando sobre quem era a mais bonita do grupo e tal, se lembra?
- Ãhn...
- Por acaso, assim, só de curiosidade, você chegou a alguma conclusão depois daquilo?
- Não, não.
- Não? Nenhuma? Nem uma ideia?
- Ainda não.
- Ah, tá certo então. Era isso. Tchau!
- Espera! Se você perdeu o celular, como é que você está me ligando...
Mas ela já tinha desligado.

***

Na mesa do bar, o Barba anunciou para o Leo e o Dinho a sua ideia.
- Só há um jeito de saber qual delas é a mais sexy, a mais bonita, a mais gostosa. Eu preciso ver as três de lingerie.
Desta vez, o Leo e o Dinho não riram porque sabiam que ele falava sério.
- Vejam bem, uma mulher de lingerie é uma mulher na sua beleza plena - dissertou o Barba, como um professor de Biologia explicando o funcionamento do paramécio - na sua forma mais sexy. Nas suas formas reais, melhor dizendo. Não dá pra dizer que uma mulher é mais bela que a outra sem vê-las de lingerie antes. A lingerie é a prova final.
E, para dar um exemplo, pediu para todos fazerem um exercício.
- Imaginem a Cacá de lingerie vermelha.
Suspiros e gemidos enquanto cada um imaginava a Cacá de lingerie vermelha. Era uma visão perfeita, uma visão dos céus.
- Agora imaginem a Duda de lingerie...
Pausa. Os outros dois fecharam os olhos para imaginar. O Barba completou:
- ...preta.
Mais gemidos e suspiros. O Barba estava certo. Era o apogeu da beleza feminina. Mas como ele planejava vê-las assim? Escondido? O Barba fez que não com a cabeça.
- Vou pedir a elas.
Antes que o Leo e o Dinho se exaltassem muito chamando-o de louco e maluco, o Barba levantou a mão, pedindo silêncio, e falou:
- Na última vez que a Sandra me ligou, eu falei da minha ideia pra ela. Ela me chamou de tarado, de maluco, de tudo isso, e eu esperei pacientemente ela acabar. Depois disse, calmamente, que era o único jeito. Que, sem isso, eu nunca poderia dar uma resposta satisfatória e que ela viveria para sempre sem saber quem é a mais bela do grupo. Disse também que eu era o mais qualificado para decidir isso. Só eu examinaria-as sob todos os aspectos possíveis, só a minha decisão seria cem por cento segura.
Os amigos ouviam-no quietos. Conheciam o Barba. O metódico Barba. Só ele possuía a credibilidade necessária para dar tal veredito. Ele estava certo.
- Ela parou de falar por um segundo, pensando, e finalmente, contrariada, disse que eu tinha razão. E que cooperaria comigo. Afinal, não conseguiria viver sem saber a resposta. Só falta eu conseguir a aprovação das outras duas. E isso, creio, não será tão difícil.
O Barba terminou então de beber a sua cerveja, pagou a conta e disse que precisava fazer seus "contatos". Quando ele foi embora, o Leo disse para o Dinho que o Barba era um cara estranho, mas que, de alguma forma, era o seu ídolo. Queria ser igual a ele.
- É - concordou o Dinho - a não ser por aquele mato que ele tem na cara.

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