sábado, 20 de agosto de 2011

Ciúme

O ciúme fede. O ciúme é um sentimento vil, amargo, que faz suar, que deixa a gente com aquele mal-estar no peito, que desanima, que pode ser o colesterol, mas se estiver tudo em ordem, então não há engano, é ciúme. É ruim. E é besta, porque ciúme sempre é besta. Não há ciúme inteligente, racional. O ciúme é mimado, bobo. E o problema é que todos sentem, por mais racionais que sejam, porque o ciúme é próprio da natureza humana. Algo a ver com a evolução, o instinto de guardar os genes do parceiro para si, a fim de não perdê-lo para a concorrência. Para não sentir ciúme, é preciso abdicar de sua humanidade; para não sentir ciúme, é preciso ser sobrehumano.

É assim que é o Vílson. O Vílson é um cara mirradinho, fala pouco, apesar de ser bem simpático, e é muito sereno. Vílson, claro, é um nome inventado, para preservar a fonte. E o Vílson namora uma gostosa, e o pior tipo de gostosa: a que sabe que é gostosa. A gostosa da namorada do Vílson sabe que é gostosa e adora ser visada, ficar de papo-furado com outros homens, rir, flertar e deixá-los loucos. E o pior, faz isso na frente do namorado. É bizarro ver o Vílson e a namorada com os amigos: o Vílson fica lá, sentado com os seus cinquenta e cinco quilos numa cadeira, bem sereno, enquanto a namorada faz a social. Você, um novato no grupo, não entende: os dois chegaram juntos, de mãos dadas, e agora a namorada nem dá bola pro Vílson. Você resolve tirar a dúvida:

- Aqueles dois são namorados, mesmo?

- Ela e o Vílson? Acho que são - responde o outro.

E a namorada do Vílson, só de risadinhas. Ela faz graça para o grupo, formado só por por homens mais fortes e altos que o Vílson e com olhares maliciosos que fariam qualquer garotinha inocente corar. A namorada do Vílson anuncia que foi pra praia no fim de semana e ficou com marquinha, querem ver? Todos concordam, e ela afasta a alça do sutiã para que vejam que, sim, lá está a marquinha. Um dos caras senta-se e pergunta se a namorada do Vílson quer sentar no seu colo, o que ela prontamente faz. Você leva a mão à boca:

- Esses aí não eram pra ser os amigos do cara?! - você pergunta, com um leve desespero na voz.

Seu amigo dá de ombros. Um dos caras elogia os cabelos da namorada do Vílson, passa a mão neles; ela dá um risinho. E o Vílson, apesar de sentado bem de frente da cena, parece se entreter observando o cadarço desamarrado. Você, compadecido, vai puxar papo, sei lá, consolar o cara. O Vílson é gente-fina, vocês conversam amenidades, ele não desvia o olhar por nem um momento para ver onde está a namorada. Você é surpreendido pela própria, que debruça-se no seu ombro para falar, com voz manhosa, que tem que ir embora, amanhã tem cursinho. Enquanto ela se despede dos garotos, você tem a impressão que um deles passa a mão na bunda dela.

Como explicar o comportamento apático do Vílson? Sua não somente inação, mas total desinteresse nos supostos rivais amorosos, que rodeiam sua garota como lobos em volta de carne seca? Só há uma explicação.

O Vílson atingiu o Nirvana.

Sim, o Vílson não é mais um de nós. Ele está em outro plano. Sua alma não se corrompe com preocupações terrenas como a baixa do dólar ou o ciúme. Os outros são somente punhados de pó perdidos na existência. Buda já dizia que as posses não são posses, pois um homem jamais possuirá nada na sua essência. Ninguém nunca o fez, mas tenho certeza que quem entrar no quarto do Vílson à noite vai vê-lo meditanto na posição de lótus, enquanto recita o mantra secreto do Bodhisattva, aquele mesmo que o quarto Dalai Lama utilizou quando tentou dormir numa caverna cheia de mosquitos, goteiras e música ambiente da Enya. Só isso explica a sua paz de espírito. Explica até o seu peso. Ninguém deve engordar se alimentando só de luz.

Atingir a iluminação é o único jeito de eliminar o ciúme. De outra forma, temos que aprender a conviver com ele, nem nos repreendendo, nem repreendendo a outra pessoa por coisas que só acontecem na nossa cabeça. Um pouquinho vai doer. Mas é uma dor administrável.

Agora, o que ninguém consegue saber é o que a namorada do Vílson viu nele, que é magricela, feio e sem dinheiro. Talvez, insatisfeita com apenas um homem, ela tenha ficado com uma opção que lhe permita ter vários ao mesmo tempo. Ou talvez ela tenha sido atraída pelos prazeres exóticos do sexo tântrico. Ah, os mistérios do Oriente...