terça-feira, 26 de abril de 2011

Páscoa atrasada

     A Páscoa tem símbolos muito fortes, os quais todos nós aprendemos nas aulinhas de religião do colégio. De cabeça, agora, eu me lembro daquela vela grande, que tinha um nome especial mas eu não me recordo qual agora (círio pascal?), o coelho e o ovo. Eles, apesar de não estarem presentes na história de Cristo, têm um significado relacionado à ressurreição: o ovo, obviamente, representa a vida, e o coelho também, por sua enorme capacidade de reprodução. Tudo muito subjetivo, muito semiológico. O problema é quando se interpreta esses símbolos de forma literal. Daí, surgem aberrações como o Coelhinho da Páscoa.

     Peguei-me pensando no último domingo sobre o que é o Coelhinho da Páscoa. Ele une o ovo e o coelho, os dois maiores símbolos pascais (pascais?), numa representação literal, uma entidade física da Páscoa, mas que não faz sentido nenhum. O que se sabe sobre o Coelhinho da Páscoa é que ele é um coelho, sim, e aparece na Páscoa para esconder ninhos com ovos de chocolate nas residências onde há crianças. Só que coelho não bota ovo. Muito menos de chocolate. Na tentativa de criar um mascote para a data (acho que Jesus não era o suficiente), eles uniram dois símbolos que, juntos, não têm nenhuma coerência. Me pergunto até hoje como eu, que fui uma criança letrada e inteligente, pude cair por tanto tempo numa farsa tão sem sentido.

     Acho que os marqueteiros que inventaram o Coelhinho da Páscoa miraram-se no Papai Noel, representante do Natal, para criar o garoto-propaganda da Páscoa. Só que, enquanto o Papai Noel é um case de sucesso, o Coelhinho da Páscoa é uma falha de planejamento completa. É só perguntar para as crianças qual é o seu preferido. É claro que é o Papai Noel. O Papai Noel é muito mais coerente: ele tem uma residência, tem um emprego. Seu meio de locomoção, apesar de mal-explicado, é ao menos mencionado. Por fim, ele é humano. O Coelhinho da Páscoa nem um coelhinho é. É um ser antropomorfo, nem homem nem coelho. Já começa por aí. Nunca ficou clara a sua natureza, e nunca tentaram esclarecê-la. Mesmo um observador desatento não deixa de notar que não se trata de um coelho comum, pequeno, quadrúpede, e sim de um ser bípede, do tamanho de um homem, só que com cara de coelho. Isso abre margem para questionamentos mil: ele é o único de sua raça? Porque não se vê outros coelhos antropomorfizados por aí? O que ele faz no resto do ano? Se ele é meio-humano, meio-coelho, ele vive numa casa ou numa toca? E afinal, se ele é meio-humano, quer dizer que ele tem uma vida como a nossa, onde ele trabalha, paga as contas, etc?
    
     O Papai Noel nós sabemos, ele trabalha no Pólo Norte o ano todo fazendo os brinquedos, possivelmente patrocinado por megacorporações da indústria do entretenimento infantil, que veem no velhinho um meio de divulgar seus produtos e inclusive o autorizam a usar suas patentes. Todo mundo sabe disso. O Coelhinho da Páscoa nós não sabemos nem de onde ele tira os ovos. É ele quem os bota? Qual a explicação biológica para um coelho botar ovos de chocolate? E, se ele bota ovos, não deveria ser uma coelhinha? A máscara cai frente à primeira contestação. Cuidado, Coelhinho. As crianças de hoje estão ligeiras. Elas não se enganam com a sua farsa.

     Isso é um exemplo para o que não fazer ao criar um gimmick: não se deve fazer um pastiche sem critérios dos atributos ao qual se quer associar a marca. Neste caso, tentaram por todos os símbolos (bota o ovo! Bota o coelho!) num personagem só, e o resultado é um produto exagerado, não crível e que não gera empatia com o público. O Coelhinho da Páscoa é um erro. O Coelhinho da Páscoa é um insulto à capacidade crítica das crianças. O Coelhinho da Páscoa precisa de uma remodelagem urgente, sob o risco de cair no ridículo e estar fadado ao esquecimento.

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     Ou então eu estou errado e esse texto é só para extravasar a decepção de não ter ganho nenhum ovo de chocolate domingo passado. Pode ser.