segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Caçando borboletas

     Tenho uma obsessão com grupos sociais, ou "tribos", para quem prefere a expressão. Gosto muito de saber identificar padrões de comportamento e estilo que enquadram pessoas num mesmo grupo. É o meu lado antropólogo: em vez de investigar os modos de vida de civilizações antigas eu me interesso pelo moderno, pelo contemporâneo. E adoro quando descubro uma nova tribo. Fico tão empolgado quanto um caçador de borboletas que captura um novo espécime. Estudar tribos é como caçar borboletas, só que mais hétero. Comecei descobrindo os góticos. Lembram dos góticos? Não se vê mais por aí. Espécime em extinção.
      Lembro da época em que descobri os indies. Foi muito legal. Eu via aquelas pessoas usando roupas de brechó e expressões blasé e não sabia como chamá-las. Quando eu descobri o termo, foi como se eu pudesse espetar todo aquele povo num alfinete e colocá-los numa bonita moldura. Exemplares da espécime. Legal.
      Quando chegou o emo, as pessoas passaram a simplificar tudo. Agora tudo era emo. Bastava ser mais alternativo, ter um cabelinho diferente, e vapt, era taxado como emo na hora. Já vi chamarem um cara de dreads de emo. Por dentro, eu me revoltava. Aquele cara é um rasta, e não um emo! Ou um indie, um headbanger, ou seja lá o que fosse. Será que ninguém sabe a diferença? Povo inculto, esse. Eu não me atrapalhava. Sabia tudo de todos os grupos e tribos, todas as classes e gêneros.
     Até que me deparei com o hipster.
     A primeira vez que ouvi o termo foi no programa de rádio Cafezinho. O Arthur de Faria estava falando sobre jovens que ouviam MGTM, usavam óculos estilosos, lenços no pescoço e apreciavam coisas cult. Tling! Meu antropólogo interior despertou. Um termo novo, que eu nunca havia ouvido! Precisava descobrir mais sobre essa galera. Onde estavam, quem eram, o que ouviam. Era preciso pesquisar. Só pra dar um tom mais formal para a minha pesquisa, sugeri a cultura hipster como pauta para o jornal onde eu trabalho, o Hipertexto da Famecos. Assim mesmo. Cultura hipster. Antes eu nem sabia que eles existiam, agora já estava classificando-os como uma cultura. O pessoal adorou. Ninguém sabia o que era, e por isso mesmo instigava, deixava curioso. Revelaremos em primeira mão a nova onda cultural, que é tão nova que ninguém sabe o que é: cultura hipster. Num box adicional, várias outras tendências que antecederam o hipster, ou talvez as tribos que lhe deram origem. Hippies, talvez, pela semelhança do nome? Ou seria uma evolução natural de algum grupo atual? Afinal, o que é hipster?
     Surpreendentemente, a Wikipedia não me ajudou muito. Lá estava escrito que hipsters eram uma subcultura de jovens dos anos 40. Não era possível: hipster é uma coisa nova. Deve ter havido algum engano. Hipsters ouviam MGMT. Eu sabia muito pouco da banda; era a daquela música estranha, com os sintetizadores, como era mesmo o nome? E o que eles tocavam, electro-rock? É, deve ser. Hipsters ouvem electro-rock, então. Procurei associações entre hipsters e electro-rock com o sr. Google e ele me deixou na mão. Talvez a solução fosse ir no Porão do Beco, ou Cabaret do Beco, seja lá qual não estava fechado na época. Era certo que haveria algum metido a moderninho lá que se diria hipster.
     Antes de eu começar uma grande confusão, o meu colega Lucas Costa salvou-me da ignorância: não, MGMT não era electro-rock, era algo como um pseudo-rock psicodélico. Não tinha a ver com electro-rock. E, segundo ele, os hipsters de hoje são uma espécie de beatnics modernos, e estão concentrados principalmente em Nova York. É uma coisa que não chegou forte no Brasil, ainda. Senti que perdi a pauta, mas logo depois me animei: melhor ainda! Vou fazer uma matéria, pensei, prevendo a próxima tendência a invadir a cidade com força, dissecar o que ainda não era conhecido, mas que em breve seria moda. Assim eu acreditava, ao menos. O Lucas poderia me ajudar? Não, não poderia, ele já havia me dito tudo o que sabia sobre o assunto.
     De volta à prancheta, então. Tentei uma nova pesquisa com as informações adquiridas. Ainda não conseguia definir o que era ser hipster. Procurei por definições na internet. Depois de ler várias, pude chegar a uma conclusão definitiva:
     Hipster (do termo em inglês hip, inovador, na moda) é aquele ou aquela que, ao invés de seguir uma moda mainstream, faz a sua própria. Ele ou ela utiliza-se de influências de diversas subculturas, para construir um retrato do que é "cool". Em outras palavras, tudo o que é considerado estiloso, o hipster faz, ouve ou veste. O termo é inclusive usado em alguns momentos como sinônimo de poser, aquele que só faz para aparecer, que segue a estética de uma subcultura sem realmente ser parte dela. Nesse caso, hipster poderia ser usado como um termo depreciativo. Perguntar para as pessoas se elas são hipsters pode ser mal interpretado, como se eu estivesse chamando-as de falsas ou exibidas. Além disso, o que é considerado "cool" varia de uma época para a outra, de forma que a definição do hipster também muda. Se nos anos 40 era aquele que ouvia jazz, hoje é o que ouve MGMT, amanhã sabe-se lá o quê. É um assunto deveras instável. Achei melhor abandonar a pauta.
     Apesar da matéria não ter sido feita, esta pesquisa não foi de todo infrutífera. Tenho uma colega que estava me incomodando há tempos, porque eu não conseguia classificá-la. Ela usava roupas que eram ao mesmo tempo casuais e estilosas, um corte de cabelo extremamente cool, tinha pelo menos três óculos escuros daqueles que custam a vida e você ainda sai devendo. Para quem observasse de longe parecia que ela pegara um apanhado de tudo o que é considerado cool e vestira antes de ir para a aula, mas sem seguir uma única tendência específica. Não conseguia enquadrá-la em nenhum grupo. Agora eu sei: ela é uma hipster!
     Mais uma borboleta para a minha coleção.

domingo, 13 de setembro de 2009

Os olhos

O homem se distrai com o barulho da campainha e erra uma pincelada. O rosto do quadro fica com uma boca mal delineada. O homem larga o pincel e vai até a porta, cuidando para não tropeçar nas roupas e jornais velhos jogados no chão. Junto com as roupas, embalagens de salgadinhos e outras comidas se amontoam em volta do sofá. Pisa numa tigela e quase cai. Chega até a porta. Abre-a. É a Marina.
- Marina?
- Cadinho! Tudo bem?
- Ah... tudo, tudo.
Ele deixa-a entrar, meio desajeitado. O corpo esbelto e belo da mulher entra na sala, contrastando com a bagunça. O homem coça a cabeça, meio confuso.
- Ãhn, eh... o que você está fazendo aqui?
- Você anda sumido, parece que nem te vejo mais! Vim fazer uma visitinha. Opa, nem te abracei.
A mulher se aproxima para abraçá-lo. Ele consegue sentir o cheiro dela por entre a cabeleira loira. Ainda o mesmo perfume.
- O que anda fazendo? - pergunta ela.
- Trabalhando, trabalhando... trabalhando bastante, na verdade. Completamente sem tempo.
- Deu pra ver. Sua barba está pedindo para ser feita.
- Ah, pois é, nem me lembrei, é tanta coisa passando pela cabeça...
- Não sei o que deu em você, você antes sempre achava tempo para os amigos... agora parece que se afastou de mim.
Ela sabe exatamente o porquê. Prefere fazer que não. Talvez seja mais fácil assim. O homem desconversa.
- Não, impressão sua... é só que eu estou ocupado, mesmo...
Depois ficou meio perdido, sem saber o que fazer em seguida.
- Ãhn... peraí que eu vou fazer um café. Me espera aí, é bem rápido. - tirou algumas roupas de cima do sofá para dar lugar para ela sentar.
Da cozinha ouviu a mulher falar:
- Bonito o quadro que você está pintando...
- É? Valeu, tenho pintado bastante, ultimamente.
- É uma mulher, é?
- É.
- Bonito, os olhos verdes.
Levou o café para a sala. Enquanto a mulher distraía-se bebendo o café, aproveitou para tirar de vista algumas fotos que estavam espalhadas pelo chão. Fotos onde ela aparecia.
- Estou pensando em viajar para a Europa, neste verão. - disse ela.
- Ah é?
- Sim. Fazer um tour. Portugal, Espanha, Alemanha, França, Itália e Grécia.
- Passa em Paris?
- Claro. Você me conhece.
- Ô se conheço. Há tempos, inclusive.
E como conhece. Conhece tudo o que é possível conhecer. Já decorou todas as marcas na pele, todos os gestos que ela faz com as mãos quando fala. Todos os sorrisos. Consegue saber quando é um sorriso irônico, quando é um sorriso falso e quando é um sorriso sincero.
- Cadinho, você está me ouvindo?
Ela estava falando mas ele não prestou atenção. Ficou imerso nas lembranças. Ela o questionava agora, olhando-o com aqueles olhos verdes. Talvez tenham sido os olhos que começaram tudo. Quando ela falava, olhando-o com aqueles olhos, o homem se sentia hipnotizado. Não conseguia parar de olhar. Quando reparou nessa força que os olhos da mulher tinham, se sentira fisgado. Lembrava agora. Foi o começo do fim.
- Cadinho, você está me ouvindo?
- Desculpe, - disse ele, esfregando a cara - eu estou lerdo hoje.
A mulher olhava-o diretamente nos olhos. Ela não fez isso naquele dia. Naquele dia ela não conseguia levantar os olhos do chão. Ele lá, abrindo o seu coração, e ela sem conseguir olhá-lo nos olhos. Colocando-se na posição dela, o homem pensa que também não conseguiria fazê-lo. Mas não deixou de ficar triste por isso. Quanto mais intimidade se consegue com uma pessoa, mais fácil fica de machucá-la. Mas o homem queria o contrário. Queria garantir que ninguém nunca mais a machucaria. Queria ele mesmo protegê-la. Foi tudo muito rápido. Rápido demais para ela.
- A gente não conversa mais... eu sinto falta disso. - diz ela.
- Eu também.
- Vamos combinar algo para fazer juntos.
- Juntos?
- É! Eu, você, o pessoal... não podemos perder o contato. Você é muito importante pra mim.
Ela deu uma pausa.
- Eu não quero perder você como amigo. - terminou.
O homem ficou sem graça. Mudou de tática. Resolveu se fazer ele de desentendido.
- Me perder? Claro que não! Por que eu deixaria de ser seu amigo?
- Não sei! Só sei que eu não quero isso.
- Eu também não. Então não há problema nenhum.
- Promete?
- Como assim?
- Promete que não vai sumir assim de novo?
- Eu já disse que não sumi. Não há nada de diferente. - mas as suas olheiras recém inauguradas desmentiam a afirmação.
- Só promete, por favor.
- Tudo bem. Você sabe que pra você eu sempre digo sim.
"Mas você não diz sempre sim pra mim", pensa ele. Ela lê esse pensamento olhando para o homem. Ele percebe isso na expressão dela. São os olhos. São mágicos, só podem ser.
- Bom, acho melhor eu ir indo... - diz ela.
- Sim, sim, tudo bem. Só uma coisa: prometa você que não vai fugir de mim.
Agora quem faz essa pergunta é ele. Ela é pega de surpresa, mas responde:
- Sim, eu prometo.
Depois sorri. Sorriso difícil de analisar. Possivelmente compaixão.
Ele a leva até a porta. Mais uma vez se abraçam (mais uma vez ele sente o cheiro dela) e então se despedem. O homem senta no sofá, na posição na qual está acostumado a ficar por horas, principalmente nos últimos dias. O interfone toca. Ele atende. É ela.
- Oi. Cadinho?
- Marina?
- Eu não esqueci as chaves do carro aí em cima?
- Vou dar uma olhada.
- O quê? Está ruim de ouvir.
- Vou dar uma olhada!
- Ah, espera! Achei, estão aqui.
- Oi?
- Achei! Achei as chaves!
- Ah.
- Bom, então é isso.
- É isso.
Ele sente um nó na garganta.
- Te amo, Marina.
- Oi?
- Nada. Eu disse tchau.
- Tchau!

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

O colonizador colonizado

Tenho como colega numa de minhas cadeiras de faculdade uma lisboeta chamada Mafalda. Ou Mmm-ful-dã, que é como os portugueses pronunciam o nome. Uma menina muito "fish", a Mafalda. Não entendeu? Explico: "fish" é uma gíria para "legal", em Portugal. Acho que é assim mesmo que se escreve. Não sei se tem a ver com peixe. Vai ver lá em Lisboa peixe é considerado legal. Vai saber. Outra gíria curiosa da terra do rio Tejo é "gira". Quando algo é bonito, é "gira". Não sei se pode ser aplicado a pessoas também. Pra mim, chamar uma pessoa de "gira" soa como se estivesse chamando-a de louca, pinel. Acho que é porque chamavam o personagem o Rubião do Quincas Borba disso no livro, e ele era pinel. Dúvida: será que eles também falam "pinel" em Portugal?
Conversando com a Mafalda, descobrem-se coisas curiosas sobre a influência do Brasil no seu país. Que as novelas brasileiras passam em todo o mundo, não é novidade. Todo mundo leu isso em algum lugar. Agora, ouvir que Malhação bomba do outro lado do oceano da boca de uma portuguesa, com o seu sotaque característico pra não mentir a origem, é algo que só presenciando dá pra entender. Aliás, sabem como é o título de Malhação em Portugal? New Wave. Desde que o cenário trocou de uma academia para uma escola eles mudaram o título para New Wave. Por menor sentido que faça esse nome, faz mais do que chamar uma novela com foco em uma escola de "Malhação". Por que nós não fizemos isso?
Música brasileira bomba lá, também. Ivete Sangalo não me deixa mentir. É só olhar o Rock in Rio Lisboa (afinal, por que raios não mudam o nome do evento? Rock in Rio, como o nome diz, é Rock in Rio, não Rock in Rio Tejo), que, como um amigo meu vive reclamando, devia ser chamado de Axé in Rio Lisboa, porque é isso o que toca lá. E a moçada europeia gosta. Isso também é digno de nota: o pessoal de lá respeita a Ivete. Nós não, pois ela ficou estigmatizada como cantora de axé. A Mafalda não sabe o que é axé, mas é fã da Ivete. Lá eles nem sabem se aquilo é um gênero maior ou menor de música, ou que gênero é aquele, apenas curtem. Por aqui, deveríamos parar com o preconceito com a nossa música dita "ruim". Até porque lá em Portugal eles não têm o axé, tem o "pimba". Já ouviram o pimba? Ouçam, e depois tentem reclamar do axé.
Interessante como, há uns dois séculos atrás, copiávamos a sociedade lusitana, e agora nós exportamos a nossa cultura para eles. É uma inversão de papeis, o colonizado vira o colonizador. Em 500 anos, demos a volta por cima e viramos potência, servindo de exemplo para outros países de língua portuguesa, não só Portugal mas também alguns países da África. Já pensaram num Brasil potência mundial? Que Angelina Jolie o quê: Juliana Paes seria a atriz mais famosa do mundo. O Carnaval brasileiro seria mundial, e até no Oriente veríamos chinesas rebolando ao som de uma escola de samba. Um subgênero de filmes de ação que iria realmente decolar seriam os "favela movies", os filmes de guerra entre traficantes, com direito a efeitos especiais decentes e o Capitão Nascimento entrando ao lado de Rambo e John Mclane na galeria dos herois de ação. O lançamento do novo livro do Paulo Coelho mobilizaria pessoas do mundo inteiro a dormirem na frente das livrarias, isso se a obra não vazasse antes na rede. Já pensaram? Seria muito "fish". Ou não.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

O comunista

Carlos era tão comunista, mas tão comunista, que aprendeu a escrever com a mão canhota só pra poder se dizer cem por cento de esquerda. Defendia fervorosamente os ideais de igualdade capital para todos os homens, e nada o faria mudar de ideia. Fazia ele mesmo a estampa de suas camisetas do Che Guevara, pois comprar uma seria trair os ideais de seu ídolo. Quando jogava War, sempre escolhia o exército Vermelho. Nenhum de seus amigos, mesmo os de esquerda, chegavam a tal radicalismo. Se alguém ousava desafiar seus argumentos, ou dizer que o comunismo morreu, Carlos virava um possesso, e vociferava argumentos contra, invocando de Marx e Engels até os arautos do novo socialismo latino-americano. Normalmente o outro desistia, e ia embora todo sujo de cuspe, que o camarada inadvertidamente espalhara pra todo o lado. Com isso, os amigos do Carlos até podiam conviver, era só cuidar para não ofender os seus ideais. O problema era quando ele inventava de ver ofensas onde não havia.
- Putz, o negócio lá em casa tá russo...
- Ah é? - já se levantava Carlos, ameaçadoramente - Por quê? Porque russo é comunista e comunista é sinônimo de ruim, é isso?
- Não, não é isso - diz o outro assustado -  é porque o pessoal tá no vermelho...
- E qual é o problema de estar no Vermelho? Eu estou no Vermelho desde que eu nasci e nunca vou sair!
E acabava a fala citando Che Guevara: "revolución hasta la victoria siempre!".
Os amigos às vezes se irritavam. Mas não podiam reclamar. Ter o Carlos como amigo tinha seu lado bom. Ele emprestava tudo: livros, cds, revistas, filmes, era só pedir e ele prontamente colocava à disposição. Na sua filosofia, a propriedade privada deveria ser abolida. Um bem seu era um bem de todos. O que não impedia o Sílvio de provocá-lo de quando em quando:
- Comunismo é uma coisa muito bonita. Pena que não funciona.
- Como não?! - bradava Carlos já na defensiva.
- Ué, já foi testado na União Soviética e não funcionou. Só piorou tudo.
- Piorou?! Piorou nada! O grande culpado foram os interesses capitalistas do império americano, que acabaram por denegrir a imagem de um modelo igualitário de sociedade... - e lá vinha mais Marx e Engels e Trotski e etc.
Quem mais se incomodava com o Carlos era a namorada dele, a Lívia. A Lívia já tinha enchido o saco de tanta bobagem revolucionária. Era Che pra cá, Stalin pra lá, e ela com dor de cabeça de ouvir o Carlos gritar com ela sempre que comprava uma Coca-Cola. A gota d'água foi quando chegou certa manhã na casa do Carlos e tropeçou em alguma coisa. Um emaranhado de trapos no chão. O emaranhado de trapos se mexia. Lívia gritou.
- AHH! CARLOS, O QUE QUE É ISSO!?
- Calma, amor - disse o Carlos, entrando relaxado na sala de estar, ainda vestido com o seu pijama vermelho - é só o Arivaldo, o mendigo aqui da rua.
- Bom dia, dona. - disse o Arivaldo.
- Carlos, o que é que um mendigo está fazendo dormindo na sua sala de estar? - disse Lívia, lívida de raiva.
- Ah é? E você queria o quê? Que eu deixasse um companheiro dormir na rua quando eu tenho espaço suficiente pra dividir com ele? Que tipo de mente pequeno-burguesa você tem? - retrucou o Carlos.
- Ah, não. Você passou dos limites, Carlos. - Lívia se encaminhou para a saída.
- Calma, amor! - disse Carlos, correndo atrás dela - Desculpe por ofendê-la, eu não quis chamá-la de pequeno-burguesa, saiu sem querer!
- Ah, você não entende mesmo, não é?
- Volta aqui, meu amor! Minha Olguinha, minha Aleida, minha...
Haveria volta. Lívia planejou a vingança. Fizeram as pazes, mas no outro dia Carlos entrou no quarto de Lívia e encontrou-a na cama com outro homem.
- Lívia, o que significa isso?! - disse ele, surpreendido.
Lívia nem fingiu surpresa; ajeitou o lençol calmamente em volta do corpo e disse:
- Não é você que é de repartir tudo? Me reparte com os outros então!
Carlos ficou quieto. Continuou namorando com Lívia, mas agora não parecia mais tão animado com ela. Os amigos souberam. De vez em quando o Sílvio largava uma:
- Carlos! Tô precisando da tua namorada. Me empresta ela hoje à noite?
- Não enche!
E o Sílvio ria gostosamente. Esse Carlos era um sarro.