sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sobre o amor

Ah, amar, esse verbo intransitivo, conforme diria o poeta. Ah, o amor nas suas mais variadas formas, sabores e texturas. Ele chega de supetão, o amor. Às vezes, vem devagarinho, você nem se dá conta, quando de repente ele aparece como que do nada. Como aquele priminho, que você viu nascer e certo dia você nota que ele está do seu tamanho. Do nada. Muito estranho. Existe o amor-abajur: é quando aquela pessoa que conhece há tempos, vê todo dia, que você está mais acostumada que o abajur da sua sala, de repente se torna especial: um trejeito do sorriso, um olhar diferente, um jeito de mexer as mãos que você gosta, e você percebe que você não gosta, você ama. Você ama aquele sorriso. Ele sempre esteve lá, mas agora que você viu melhor, ele parece especial. Depois você nota que todas as outras coisas que você gostava naquela pessoa você não só gosta como ama. A associação acontece assim, bem rápido. Até os defeitos você passa a relevar. Inclusive, você passa a amar os defeitos. Começa a vê-los como qualidades. Aquele sotaque horrível para você tem todo um charme. Você ficaria até chateado se ela não tivesse os defeitos, porque aí não seria a mesma pessoa que você ama. Imagine uma pessoa sem defeitos. Muito chato. Legal é alguém cheio de falhas.
- Sabia que a Ângela tem fotofobia?
- Sério? Que estranho.
- Estranho?! Eu acho lindo!
O amor não escolhe quem ou, às vezes, o quê. É conhecida a história do Homem Playstation. O Homem Playstation amava o seu Playstation. Tanto que mudou o seu nome para o do videogame. Mas somente isso não era o suficiente para provar o seu amor: ele decidiu procurar um padre que concordasse em casá-lo com o seu Playstation. Ou "sua" Playstation, no caso. Eu gostaria de estar inventando isso, mas esta história é verídica. Até onde eu sei nenhum padre concordou em casá-los. Imagino que foi para o melhor: a vida conjugal dos dois seria muito difícil. O mundo não está preparado para o amor entre um homem e um console de entretenimento virtual. Não interessa onde morassem, a vizinhança certamente não olharia-os com bons olhos. O seguro de saúde da família teria que cobrir peças de reposição. E, por falar em família, o único meio de se constituir uma seria por adoção. Ou comprando um daqueles Playstations portáteis numa loja. Não teria dado certo. Não sei se os dois ainda estão juntos. Talvez chegaram a conclusão de que o relacionamento nunca funcionaria. Às vezes o Homem Playstation não resistiria e voltaria para o seu videogame por mais uma noite, apenas para uma última partida de Tekken. Depois diriam que era a última vez e tentariam tocar as suas vidas. Não é culpa de nenhum dos dois. É culpa do amor. Ah, o amor, coisa tão vil e cruel.

***

Gabriel García Márquez, em seu livro "Del Amor y otros Demonios", conta a história de um padre que deve exorcizar uma menina, e acaba se apaixonando por ela. No livro, o amor é o demônio. O verdadeiro possuído não é a menina, mas o padre, por esse sentimento tão poderoso e difícil de domar. Ele não pode, não deve amar, mas acontece, pombas, o que se vai fazer. Sufocar o amor, ou um amor que nunca é revelado, é uma dor masoquista: dói porque fica preso dentro da pessoa, mas é bom porque amar faz a pessoa se sentir bem. Amor é uma droga, assim como o crack. Só não precisa de cachimbo. Quem está amando se sente bem, alto, feliz, com um sentido na vida. O mundo, quem diria, tem um centro de apoio, e este centro é uma pessoa. Tudo faz sentido. Tudo irá se acertar no final. Não se sabe porquê, mas se tem aquele... aquele... sabe? Aquele sentimento de que tudo se ajeita. O mundo é perfeito, as árvores são muito verdes e os passarinhos cantam etc. Se o amor é sufocado, o sentimento bom continua, mas vira uma certa melancolia. Aquele negócio de querer extravasar o sentimento e não poder. Às vezes se sente que se pode tentar mudar, parar de pensar naquela pessoa, mas a melancolia é tão boa, tão confortável...
No livro o padre resolve expor o seu amor à menina, mas a coisa não acaba muito bem. E na vida real, deve-se expor o amor, mesmo sabendo que tudo pode dar errado? O que é melhor, arriscar tudo em algo que tem muitas chances de dar muito errado e uma pequena chance de dar muito certo ou segurar o sentimento e esperar que ele passe, mesmo desejando que isso não aconteça? Há uma resposta definitiva? Eu já não sei mais. Deixo aqui as perguntas. Vocês é que me respondam.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Cartão vermelho

Briga no Senado hoje. Mais uma. Eduardo "O Juiz" Suplicy contra Heráclito "el Fuerte". Tudo por causa do cartão vermelho que Suplicy mostrou a Sarney, ou mostraria, se esse estivesse presente na câmara. Heráclito desafiou Sarney a mostrar o cartão também a Lula, um golpe que provocou a ira do adversário. A reação do senador foi feia: gritos e vociferações e o famoso movimento de apontar o dedo com ódio, como se o dedo pudesse vencer a distância e cutucar com força o inimigo. Por mais entretenimento que essas brigas possam proporcionar, eu preferiria pagar o pay-per-view e ver a luta-livre, e os senadores poderiam trabalhar, pra variar um pouco. O evento de hoje reforçou um dos meus pensamentos, que agora, dadas as atuais circunstâncias, virou uma certeza: é preciso dar cartão vermelho para todos os senadores. Até o próprio Suplicy. A instituição Senado como um todo. Peço o unicameralismo no Brasil. Chega de Senado.
Pensem bem: é o momento perfeito. O Senado em crise, com metade dos senadores não trabalhando porque seu chefe é o Sarney, a outra metade apoiando o Sarney, ou seja, quem trabalha não presta. Esse racha está atrasando o funcionamento do Legislativo e, consequentemente, do Brasil. O Senado está atrasando o país. Que se pode fazer, minha gente? Fechar a Casa! Não há outras soluções a vista. O bicameralismo não deu certo. Foi feito com a melhor das intenções, mas não funciona. Como o comunismo soviético. Ora, se os caras que votam as leis do meu país são aquelas pessoas gritando como animais entre si, então eu não quero que eles tenham esse direito. O Brasil poderia funcionar bem somente com a Câmara dos Deputados. Pensem no que iríamos economizar em salários exorbitantes. Pensem no que iríamos economizar em dinheiro que poderia ser desviado! E tempo, sem todas as brigas para ocupar o espaço que deveria ser destinado a decidir sobre o futuro. O nosso futuro. Os ganhos são muitos.
É por isso que eu sou a favor de um plebiscito a respeito. Unicameralismo: sim ou não? Estão nos devendo um plebiscito, já que o Fogaça nos prometeu um sobre o Pontal e no final não foi bem isso o que houve. Somos, afinal, uma nação democrática, e eu tenho certeza de que a minha opinião é compartilhada por mais brasileiros, senão a maioria deles. Mas, é claro, para um plebiscito desses ser realizado, teria que passar pelos senadores. E os senadores não iriam dar um tiro no próprio pé. Como destruir este câncer, então? Não sei. Enquanto isso não se resolve, ficamos brincando de mostrar cartões vermelhos, fingindo que estamos expulsando alguém. Quando na verdade quem está sendo expulso de algo é nós, da escolha do nosso futuro. Final piegas, eu sei. Mas é isso aí. Agora é esperar o mandato do Sarney acabar, já que de outro jeito ele não sai de lá.

sábado, 22 de agosto de 2009

O Augusto

O Augusto era um cara bacana, mas muito travado quando o assunto era mulher. Seus amigos se reuniam e contavam seus casos com a mulherada, e o Augusto ali, quieto. Era muito tímido. Não tinha coragem de chegar numa menina, ficava sem graça. Os amigos tentavam ajudá-lo:
- Vai lá cara! Chega nela! O máximo que vai acontecer é ela te dizer não...
- Não sei... vocês sabem como eu sou...
- Ah, cara! Você se preocupa demais! Vai lá agora e seja homem!
- Tá, tá...
E o Augusto ia e acabava se dando mal. Travava mesmo, se enrolava com as palavras. Esse era o problema: vontade de mudar ele tinha, mas simplesmente não conseguia. Os amigos se irritavam no início, mas depois perceberam que não era só falta de coragem, era um problema maior do que ele. Algumas pessoas tem dificuldade de pronunciar os erres, outras de falar com mulheres. E, por mais que o Augusto quisesse mudar, não conseguia. Os amigos entendiam isso e se compadeciam de seu caso. Todos faziam planos para ver o Augusto com uma mulher, mas eles sempre falhavam; o Augusto sempre estragava tudo na hora H.
- Pô, Augusto!
- Desculpem, caras.
- Tava tudo indo tão bem...
- Eu sei, eu sei...
- Pra que vomitar no vestido dela?
- Justamente porque tudo estava indo bem! Fiquei nervoso, ué.

Dessa vez tudo tinha que dar certo. Os amigos do Augusto organizaram uma festa, cujo propósito girava em torno de fazer o Augusto ficar com a Aninha. A Aninha foi uma descoberta. Foi o Leandro quem descobriu que a Aninha achava o Augusto bonito. Investigou mais um pouco e descobriu que ela ficaria, sim, com o Augusto, se pintasse a oportunidade. Anunciou a descoberta aos amigos com a alegria de um biólogo que comunica aos seus colegas que o dodô, afinal, não estava extinto. O Augusto tinha salvação. Era só garantir as condições propícias para que os dois ficassem, e garantir que o Augusto não fizesse uma das suas. Pensaram tudo com cuidado, se sentindo como os militares que planejaram o desembarque do Dia D. O próprio Leandro ficou de organizar a festa para o próximo sábado, e avisar o pessoal. Era preciso garantir que o Gabriel pudesse comparecer. O Gabriel era o antigo caso da Aninha. Em todas as festas, ela tentava fazer com que ele sentisse ciúmes ficando com outros caras. O Gabriel nem ligava, mas ele seria útil para o plano.
O Augusto chegou na festa acompanhado de seus amigos. Cumprimentou o Leandro.
- E aí, Augusto, beleza?
- Tudo ótimo... tudo ótimo mesmo... tudo na mais santa paz...
O Augusto parecia meio estranho. Leandro resolveu perguntar para o Fábio:
- Tá tudo bem com ele?
- A gente botou uns calmantes na bebida dele... sabe, pra ele não ficar nervoso.
Explicaram a situação para o Augusto. Foi muito mais fácil do que o normal, com ele dopado. A Aninha iria chegar a qualquer instante. Iriam puxar conversa com ela e depois sair de fininho, deixando-a falando a sós com o Augusto. Deram-lhe a recomendação de não falar muito. A Aninha falava bastante, era só ele responder com monossílabos e frases curtas, e talvez alguns gestos e expressões faciais.
- Peraí, expressões faciais? - disse o Cadú.
- É. Levantar as sombrancelhas, fazer caras de espanto, interrogação. Economiza frases e diminui as chances de o Augusto falar bobagem.
- Tá, mas desajeitado como ele é, só vai conseguir fazer caretas.
- Tá, esquece as expressões. Mantenha-se nos monossílabos.
O essencial era não falar muito. Iria fazer o tipo caladão misterioso.
Chegou a Aninha. Primeiro foram uns dois junto com o Augusto puxar conversa com ela. Assim ele não se sentia tão pressionado logo de início, tendo que ficar sozinho com a Aninha. Falaram bastante do próprio Augusto:
- E aí, Marco, conseguiu a vaga no time do colégio? - perguntou a Aninha.
- É, até consegui, mas só porque o Augusto não quis tentar a vaga. Senão eu estaria fora.
- Sério? O Augusto joga bem?
- Joga bem? Rá! O cara é um monstro do futebol! Nos joguinhos que a gente faz eu só jogo se for no time dele. Senão, eu já desisto antes de entrar em campo.
- É mesmo? Nossa, Augusto, por que você não tentou pegar a vaga?
O Augusto soltou um grunhido que poderia significar várias coisas. O Marco riu e explicou:
- Modéstia.
- Modéstia é o Augusto ter vindo com esse carrinho dele hoje. - falou o Cadú -Eu sei que nessa parte da cidade rola assalto, mas bem que você podia ter vindo com a BMW, hein, Augusto?
- Uau, Augusto! Você tem uma BMW?
- Pois é, né, enquanto ele não consegue coisa melhor...
Aos poucos foram se retirando para deixar o Augusto e a Aninha sozinhos. Dava pra ver que ela estava caidinha por ele. Tocava no braço dele a toda hora, e estavam a uma distância perigosamente próxima. Os amigos observavam, extasiados, enquanto a Aninha falava e falava, e o Augusto respondia com expressões curtas e abanos de cabeça bem calculados. Estava dando certo!
Só faltava um último empurrãozinho. Puxaram o Gabriel para bater um papo em um lugar onde ele pudesse ver a Aninha e vice-versa. A Aninha, ao notar a presença do ex, não teve dúvida: lascou um beijo no Augusto.
O Leandro foi avisar o resto do grupo.
- Pessoal, pessoal! Deu certo! Deu certo!
Todos comemoraram. Alegria! O Augusto finalmente desencalhara. Os amigos se cumprimentavam com abraços de congratulações, como se o Brasil tivesse acabado de ganhar a Copa. O Augusto conseguiu! Que grande feito para a humanidade. Todos bebiam e regorjizavam, enquanto obsevavam Aninha e Augusto juntinhos, mais grudados que gêmeos siameses. Podem beber, que a noite é para comemorar! Enquanto todos bebem e falam alegremente, o Augusto se aproxima do Fábio com uma cerveja.
- Ué? Augusto?
- E aí!
- O que você está fazendo aqui, sem a Aninha? Vai deixar ela sozinha?
- Ah, pois é, a Aninha... sabe o que é?
O Fábio não pergunta o que é. Só sustenta a mesma cara de dúvida e espanto.
- Eu acho que ela não faz muito o meu tipo.
O Fábio não tinha ouvido.
- Oi?
- Ela não faz meu tipo!
O Fábio ficou encarando o Augusto por um momento.
- Como assim, não faz seu tipo?
- Sei lá. Não rolou. Que se vai fazer?
- Volta lá.
- Oi?
- Volta lá. Agora.
- Mas eu disse que...
- Olha só - Fábio colocou a mão no ombro de Augusto e virou-o em direção ao resto do pessoal. - tá vendo o pessoal lá, feliz? A gente tá comemorando. Por você.
- Mas eu não...
- Presta atenção. A vida tá difícil, tá? A Coréia tá com a bomba, o Senado tá uma loucura, o pessoal tá louco com essa epidemia de gripe A... a gente precisa de um motivo pra comemorar, entende? Não faz isso. Não estraga a nossa festa. Volta lá.
- Mas eu...
- Eu acho que você não entendeu... - Fábio apertou o ombro de Augusto com muito mais força. - isso não foi um pedido. Volta agora.
O Augusto olhava assustado para o Fábio. Assentiu com a cabeça e deu meia volta. O Leandro notou que o Augusto e o Fábio estavam conversando. Perguntou:
- O que houve?
- O Augusto veio aqui pegar cerveja - disse o Fábio pro pessoal - e já já está voltando pra Aninha!
Vivas. Gritos de alegria. Risadas. A noite iria ser boa.

domingo, 9 de agosto de 2009

Beleza

Beleza é uma coisa efêmera. Poucos são ou serão bonitos, mas todos certamente serão feios, é só dar o tempo necessário. O tempo retira a beleza das pessoas. Ficamos velhos, rugosos, desposturados. Por mais que a pessoa se cuide e se preocupe com a sua aparência, não há como ser bonito aos setenta anos, do tipo que faz o sexo oposto ficar extasiado. Pode-se tentar preservar a beleza por mais tempo, mas o tempo acabará por nos descascar, com golpes lentos ou rápidos.
Alguns são da opinião de que certas pessoas acabam por ficar mais atraentes quando maduras. São as pessoas-vinho: são melhor apreciadas aos quarenta anos. Eu acho que o que acontece é que elas descobrem como ser belas mais tarde na vida, só isso. Se soubessem antes, seriam belas desde sempre. Sim, pois algumas pessoas podem aprender a ser bonitas.
Muitas vezes a feiura pode ser curada, ou ao menos remediada, com uma simples mudança no penteado. Pode acontecer o contrário: alguém que era cheio de beleza muda o corte de cabelo, e descobrimos que aquela pessoa era feia, o que escondia isso era o cabelo, mesmo. Eu sou da teoria que, para saber se uma mulher é verdadeiramente bonita ou não, é preciso imaginá-la careca: se ela continuar atraente, é beleza verdadeira. A Lady Gaga pode parecer apetitosa, mas imagine-a sem aquela vasta cabeleira dourada, e o que sobra é um narigão. Um corpo bem bonito, até, e um narigão.

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Outra teoria: rico só é feio se for feio mesmo. Rico pode comprar cosméticos, tratar o cabelo, a pele, se vestir bem. Não há desculpa para ser feio, só se não se preocupar com aparência mesmo. O contrário pode ser verdade: ao ver uma pessoa que não tem dinheiro para comprar nem ao menos xampu, se destacar no meio das outras, pode ter certeza de que você está vendo a verdadeira beleza, sem máscaras nem armações.

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O feio precisa existir para existir o bonito. Tanto que o Umberto Eco, após lançar o seu livro História da Beleza, fez o História da Feiura. Uma coisa acompanha a outra. Não há como somente uma existir. Se todos fôssemos lindos para os padrões de beleza atuais, ainda assim existiriam os mais e os menos bonitos, e os menos bonitos seriam considerados feios. Num mundo cheio de Alessandra Ambrósios, uma Penelope Cruz seria considerada feia, por mais linda que ela seja para os nossos padrões.
Falando em padrões, o bonito e o feio não são imutáveis. O conceito de belo mudou muitas vezes ao longo da história. Os gregos gostavam de mulheres com uma barriguinha saliente, talvez por dar a impressão de fartura, o que existe também entre tribos no interior da África. Reparem que a Afrodite era sempre meio gordinha nas suas representações. Cleópatra era supostamente muito bela, mas talvez hoje em dia ela fosse considerada uma baranga. Nem precisamos ir tão longe assim para uma mudança significativa: alguém consegue achar um daqueles penteados dos anos 80 atraente? Aqueles que parecem que mataram um poodle e colocaram na cabeça?
Mas, o mais importante, o conceito de beleza também varia de pessoa para pessoa. Tem gente que gosta de mulher alta, tem gente que não, tem gente que acha a Juliana Paes a mais linda do mundo e tem gente que não vê nada nela. Então, se você é feio, não se preocupe: em algum lugar do mundo, há alguém que acharia você irresistível. Certamente. Nem que seja numa tribo no interior da Àfrica.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

No ônibus

Um cara está sentado no ônibus. O ônibus para e sobe uma mulher. O cara imediatamente a reconhece: é a Regininha, sua ex-colega de escola. Ela vasculha no ônibus um lugar para se sentar. Passa os olhos pelo cara. O cara sorri, e se prepara para cumprimentá-la com um aceno de cabeça, mas ela desvia o olhar, como se não o conhecesse. Epa, pensa o cara. Ela caminha pelo corredor do ônibus, sem pressa nenhuma, tentando decidir o lugar pra sentar. Passa ao lado do cara e senta-se num assento próximo. Não esboça reação nenhuma. O cara está confuso. Ela esqueceu de mim, pensa. Não pode ser. Não sou um cara, assim, esquecível. Tá certo, era caladão, na minha. E na verdade ela não era da mesma turma que eu. Mesmo colégio, mesma série, turmas diferentes. Mas o colégio não era tão grande assim, todos se conheciam de vista. É, definitamente ela me conhece. Vai ver é porque eu estou mudado. É isso, só pode ser. Meu corte de cabelo está diferente. A armação do óculos é nova. Uma olhada mais demorada e ela certamente irá me reconhecer.
O cara fica olhando fixo para a mulher, esperando ela passar os olhos por ele novamente. Isso acontece alguns segundos depois. Seus olhares se cruzam, ela olha fixo para ele, ele segura o olhar nela. A tensão é tão pesada que poderia ser cortada com uma faca. Ele pensa, será que eu falo alguma coisa? Não, vou deixar ela falar. Ah, olha só você aí, não tinha te visto! Ou qualquer coisa assim. Eu não vou me rebaixar, não serei o primeiro a falar. Não, não.Finalmente ela desvia os olhos para a janela. Sem dizer nada.
Vai ver ela simplesmente não quer me cumprimentar, pensa ele. Tem gente que é assim. Vê um conhecido no ônibus e faz que não viu. Faz de tudo pra não ter que dar um simples oi. O cara nunca entendeu por quê. É tão fácil cumprimentar uma pessoa, duas vogais, um aceno de cabeça, pronto. Talvez seja o medo de que a outra pessoa encare isso como um sinal para se aproximar, confunda um comprimento cordial com um convite para conversar. O que deveria ser um aceno rápido vira uma conversa incômoda. Pelo sim e pelo não, melhor fingir que não viu. É, pode ser isso.
A mulher parece muito interessada em olhar para qualquer lado menos o do cara. É isso, ela está me ignorando, pensa ele. Só pode ser. Eu sei que ela me conhece, ela sabe que eu a conheço. Temos que manter este teatrinho de ignoração mútua até um de nós descer do ônibus.
A mulher puxa um jornal e começa a lê-lo. Isso faz o cara se lembrar do jornalzinho de sua escola. Como ele não tinha se lembrado disso! Uma vez a Regininha tinha escrito para a seção de recadinhos do jornal. A seção de recadinhos era a única parte do jornal que interessava aos alunos. Todo mundo pegava o jornalzinho para ler essa seção e jogava o resto fora. O cara se lembrava de quando a Regininha escreveu um recado para a sua turma. Mais especificamente, para os meninos da sua turma. "Guris da turma 42", começava o recado, "vocês são muito bonitos, principalmente o Beto, o Rafa..." e ela listava os mais bonitos. Entre eles estava o nome do cara. É isso! Ela sabia que eu existia, pensa ele. Ela me achava muito bonito. Não se esquece do rosto de alguém muito bonito. Não se você conviveu com esse rosto por anos a fio. Então, por que não me cumprimentar? Eu sou bonito mas não mordo.
O cara observa a Regininha lendo o jornal, enquanto matuta: ela é bonita, a Regininha. Desde os tempos de colégio, e agora está ainda mais. E ela me acha bonito. Ou pelo menos me achava, mas eu me considero melhor agora do que nunca. Quem sabe eu puxo um papo com ela, acabo com esse jogo besta de um ignorar o outro. Quem sabe pode nascer daí um relacionamento bacana, e mais tarde, quando estivermos jantando no restaurante que eu vou levar ela essa noite, nós riremos desse incidente no ônibus, que bobagem, duas pessoas se querendo e fingindo que não se conhecem. É isso aí, eu vou falar com ela.
O cara se levanta e senta do lado da mulher. Esta levanta os olhos do jornal e olha pra ele, surpresa. Ele sorri e espera para ver se ela vai dizer alguma coisa. Ela sorri de volta, meio sem graça, e volta a ler o jornal. O cara fica um momento quieto, pensando no que falar. Decide:
- Procurando a seção de recados do jornal?
A mulher volta a olhar para ele.
- Desculpe?
- A seção de recados. Que nem o jornal da escola. Você costumava escrever, se lembra?
- O jornal da escola? Você está querendo dizer da minha escola?
- Sim! "A Patotinha." Era o nome do jornal, lembra? Sinceramente, eu sempre achei esse nome ridículo. Só servia mesmo por causa da seção de recadinhos.
A mulher olha melhor para o cara.
- Desculpe, mas nós nos conhecemos?
Opa, pensa o cara.
- Olha, não precisa mais jogar esse joguinho. Eu já vim aqui quebrar o gelo. Nós fomos do mesmo colégio por mais de dez anos.
- Olha, desculpa mesmo, mas eu não estou me lembrando...
- Você era da turma 43 e eu da 42. Lembra? A turma dos bonitões...
A mulher olha meio estranho para ele. Ele nota que a frase soou meio homossexual.
- Quer dizer, você achava isso. Você escreveu para o jornalzinho...
A face da mulher se ilumina.
- Estou me lembrando...
Agora, pensa o cara, ela vai fazer que acabou de se lembrar de mim, pra não ficar chato o fato de que ela não me cumprimentou antes. Típico. Melhor jogar o jogo:
- Se lembra? Foi na quarta série. Você escreveu: "guris da turma 42..."
- "...vocês são muito bonitos." Sim, eu me lembro!
- E listou o nome de vários guris da turma 42, incluindo eu.
- Isso!
- Se lembra de mim, agora?
- Sim! Beto! Há quanto tempo!
- Isso! Peraí! Não! Não é Beto!
Ela olha pra ele confusa.
- Rafa?
- Também não!
Ela faz uma pausa para examiná-lo melhor.
- Me desculpe, mas então não tenho nem ideia de quem você é.
O cara fica confuso. Que tipo de jogo ela estará jogando agora?
- Ah, vamos lá! Eu era calado, tinha um corte de cabelo e uma armação de óculos diferente.
- Eu realmente não lembro de ninguém assim...
- Ah, qualé! Você me achava bonito!
Ela fica olhando pra ele, mas não esboça sinais de reconhê-lo. Mas, para ele, já chega.
- Com licença, eu vou descer.
- A sua parada é aqui?
- Não. Mas, me desculpe, assim não dá. Tchau.
E ele desce, pensando: o que as pessoas não fazem para evitar um simples oi no ônibus!

sábado, 1 de agosto de 2009

Aqui e lá

Vivemos um período pós-ditadura, mas mais uma vez a nossa imprensa sofre censura. Dessa vez, está envolvido o homem do momento, José Sarney. Ou melhor, o filho dele, Fernando, empresário e aprendiz de cara-de-pau. O filho do homem conseguiu, vejam só, proibir o jornal O Estado de São Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, que investiga crimes eleitorais. Sarneyzinho ficou ofendido com o fato de o jornal ter publicado as ligações telefônicas entre membros de sua família, que revelaram a contratação de parentes do presidente do Senado. Segundo ele, isso fere a honra (que honra?) da família, e agora o jornal terá que pagar multa de 150 mil reais para cada reportagem contendo informações sobre a operação. Os demais jornais e rádios estão proibidos de usar ou citar material do Estado de São Paulo.
E fica mais podre ainda: o desembargador que aprovou a censura é um velho amigo do clã Sarney e de Agaciel Maya, tendo sido inclusive convidado para o casamento da filha deste último.
O jornal está recorrendo da medida, mas até lá terá que ficar calado sobre o assunto. É isso mesmo, amigos, censura na imprensa em pleno século 21. Fernando Sarney alega que está tentando preservar a honra da família, mas ao meu ver o fato de estar pedindo para um jornal ser censurado é apenas mais um argumento para ser usado contra os Sarneys, e mais uma propaganda negativa para o seu pai. Má propapanga por má propaganda, melhor ter deixado como estava.

***

No outro hemisfério, Barack Obama deu um puxão de orelha na polícia de Cambridge, por ter prendido o professor Henry Louis Gates, quando este estava arrombando a própria casa. A polícia se sentiu ofendida e retrucou. Obama, no seu famoso tom conciliador, convidou o sargento James Crowley, o homem que prendeu Gates erronamente, mais o próprio Gates e o vice presidente Joe Biden para tomar uma cervejinha na Casa Branca, numa atitude que eu achei super legal. Interessantemente, algumas pessoas não acharam o mesmo: manifestantes abstêmios ficaram protestando do lado de fora da casa por haver álcool envolvido no encontro. Também houve criticas pelo fato do presidente americano ter tomado uma cerveja Bud Light, fabricada pela belgo-brasileira Imbev, e portanto não uma cerveja americana. Até a vizinha de Gates, pivô da confusão, já que foi ela que chamou a polícia quando viu o vizinho arrombando a própria porta, chiou por não ter sido convidada, no que o seu advogado classificou como preconceito sexual.

Ah, por favor!

A vontade era de dizer para esse pessoal algumas palavras que não transcreverei aqui, pois não quero baixar o nível. Era uma conversa com cerveja mesmo, qual o problema? A cerveja estava lá para assegurar o tom informal do encontro, justamente para mostrar que não se deve ser sério o tempo todo. Para mostrar que a situação não era nada que não pudesse ser resolvido numa conversa amigável. O negócio da cerveja não ser americana é patriotismo estúpido, do tipo que já deveria estar extinto. E a declaração de que Obama é sexista chega a ser quase risível, não fosse o fato de que tem gente que a leva a sério. Eu queria fazer um acordo com esse pessoal: vamos trocar o Obama com o Sarney, aí vocês aprendem o que são razões para reclamar.