sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Sobre o amor

Ah, amar, esse verbo intransitivo, conforme diria o poeta. Ah, o amor nas suas mais variadas formas, sabores e texturas. Ele chega de supetão, o amor. Às vezes, vem devagarinho, você nem se dá conta, quando de repente ele aparece como que do nada. Como aquele priminho, que você viu nascer e certo dia você nota que ele está do seu tamanho. Do nada. Muito estranho. Existe o amor-abajur: é quando aquela pessoa que conhece há tempos, vê todo dia, que você está mais acostumada que o abajur da sua sala, de repente se torna especial: um trejeito do sorriso, um olhar diferente, um jeito de mexer as mãos que você gosta, e você percebe que você não gosta, você ama. Você ama aquele sorriso. Ele sempre esteve lá, mas agora que você viu melhor, ele parece especial. Depois você nota que todas as outras coisas que você gostava naquela pessoa você não só gosta como ama. A associação acontece assim, bem rápido. Até os defeitos você passa a relevar. Inclusive, você passa a amar os defeitos. Começa a vê-los como qualidades. Aquele sotaque horrível para você tem todo um charme. Você ficaria até chateado se ela não tivesse os defeitos, porque aí não seria a mesma pessoa que você ama. Imagine uma pessoa sem defeitos. Muito chato. Legal é alguém cheio de falhas.
- Sabia que a Ângela tem fotofobia?
- Sério? Que estranho.
- Estranho?! Eu acho lindo!
O amor não escolhe quem ou, às vezes, o quê. É conhecida a história do Homem Playstation. O Homem Playstation amava o seu Playstation. Tanto que mudou o seu nome para o do videogame. Mas somente isso não era o suficiente para provar o seu amor: ele decidiu procurar um padre que concordasse em casá-lo com o seu Playstation. Ou "sua" Playstation, no caso. Eu gostaria de estar inventando isso, mas esta história é verídica. Até onde eu sei nenhum padre concordou em casá-los. Imagino que foi para o melhor: a vida conjugal dos dois seria muito difícil. O mundo não está preparado para o amor entre um homem e um console de entretenimento virtual. Não interessa onde morassem, a vizinhança certamente não olharia-os com bons olhos. O seguro de saúde da família teria que cobrir peças de reposição. E, por falar em família, o único meio de se constituir uma seria por adoção. Ou comprando um daqueles Playstations portáteis numa loja. Não teria dado certo. Não sei se os dois ainda estão juntos. Talvez chegaram a conclusão de que o relacionamento nunca funcionaria. Às vezes o Homem Playstation não resistiria e voltaria para o seu videogame por mais uma noite, apenas para uma última partida de Tekken. Depois diriam que era a última vez e tentariam tocar as suas vidas. Não é culpa de nenhum dos dois. É culpa do amor. Ah, o amor, coisa tão vil e cruel.

***

Gabriel García Márquez, em seu livro "Del Amor y otros Demonios", conta a história de um padre que deve exorcizar uma menina, e acaba se apaixonando por ela. No livro, o amor é o demônio. O verdadeiro possuído não é a menina, mas o padre, por esse sentimento tão poderoso e difícil de domar. Ele não pode, não deve amar, mas acontece, pombas, o que se vai fazer. Sufocar o amor, ou um amor que nunca é revelado, é uma dor masoquista: dói porque fica preso dentro da pessoa, mas é bom porque amar faz a pessoa se sentir bem. Amor é uma droga, assim como o crack. Só não precisa de cachimbo. Quem está amando se sente bem, alto, feliz, com um sentido na vida. O mundo, quem diria, tem um centro de apoio, e este centro é uma pessoa. Tudo faz sentido. Tudo irá se acertar no final. Não se sabe porquê, mas se tem aquele... aquele... sabe? Aquele sentimento de que tudo se ajeita. O mundo é perfeito, as árvores são muito verdes e os passarinhos cantam etc. Se o amor é sufocado, o sentimento bom continua, mas vira uma certa melancolia. Aquele negócio de querer extravasar o sentimento e não poder. Às vezes se sente que se pode tentar mudar, parar de pensar naquela pessoa, mas a melancolia é tão boa, tão confortável...
No livro o padre resolve expor o seu amor à menina, mas a coisa não acaba muito bem. E na vida real, deve-se expor o amor, mesmo sabendo que tudo pode dar errado? O que é melhor, arriscar tudo em algo que tem muitas chances de dar muito errado e uma pequena chance de dar muito certo ou segurar o sentimento e esperar que ele passe, mesmo desejando que isso não aconteça? Há uma resposta definitiva? Eu já não sei mais. Deixo aqui as perguntas. Vocês é que me respondam.

Um comentário:

  1. e quando você deixou de amar? giordano... apaixonado pela vida e suas estranhezas.

    ResponderExcluir