segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Os comunicadores

Não sei se é bem verdade aquele discurso que diz que, não importa se você faz jornalismo, publicidade ou relações públicas, é tudo comunicação. Tá, tá, todos comunicam, de certa forma, eu sei, mas a frase dá a entender que é tudo homogêneo, que uma profissão tem a ver com a outra. Não tem. Pense num jornalista: ele tem mais a ver com um historiador ou com um cientista político do que com um publicitário. Pelo menos com eles o jornalista teria mais assunto para bater papo. Agora imagine colocá-lo para conversar com um relações públicas numa festa. O jornalista vai tentar puxar assunto sobre o Irã ou a campanha presidencial, e o RP vai escutar desinteressado, balançando a cabeça, esperando por uma deixa para mencionar que ele foi o organizador da festa.

- ...Agora, os EUA precisam se preocupar, pois o Irã negou a proposta de enriquecer o urânio em outros países. Esse era justamente o maior temor dos países do ocidente e de Israel. Assim, os EUA não tem como controlar um possível desenvolvimento de uma bomba...
- Sim, sim. Mas falando em bomba, sabe quem organizou esta festa de arromba? Hein, hein?

Podem ver que, numa faculdade de Comunicação, é possível identificar os alunos de cada curso só com uma rápida olhada. O jornalista é o cara de óculos de aro grosso, com um exemplar de um livro de cinema francês embaixo do braço. Em uma mão, um café; na outra, um cigarro. Para cada tragada, dois goles de café, ou vice versa. O publicitário é o que está com as roupas moderninas, ironicamente adquiridas num brechó. No rosto, óculos escuros, os mais espalhafatosos possíveis. As meninas usam cabelo curto pintado em tons de vermelho, ou então descoloridos. O RP é o que não está de All Star. Simples assim.

***

Converse com um jornalista e você vai se entediar. É incrível como alguém que vê tanta coisa e tem tantas histórias pra contar não sabe como fazê-lo de um jeito interessante. É consenso que um jornalista, mesmo que seja um bom entrevistador, nunca pode ser entrevistado. Jornalista não sabe falar. Quando dá uma palestra, sempre o faz de um jeito maçante. O RP não. O RP pode não ter nada pra contar, mas o contará do jeito mais energético possível. Ele sabe fazer uma história inexistente virar uma epopeia. Por outro lado, isso pode também ser uma característa inerente às mulheres, e não à profissão, já que 90% dos RPs são mulheres. Os 10% restantes, como se sabe, são homens que não conseguiram entrar para Jornalismo.

Os publicitários ficariam em algum lugar entre os RPs e os jornalistas. Os jornalistas são fechados, os RPs são exageradamente sociáveis, os publicitários são mais ou menos. Numa festa de Comunicação, estarão lá: todos os RPs, metade dos publicitários e uns cinco jornalistas. Que ficarão conversando entre si, possivelmente sobre o Irã ou a eleição presidencial. Os RPs tentarão conversar com todo mundo, o que resulta em trocar de círculo de conversa a cada cinco minutos. Os publicitários vão falar com quem conhecem, e era isso. Eles são o fiel da balança. Não puxam nem para um lado, nem para o outro. Na real, não fazem muita coisa. Por mais que seja preciso estudar para se dar bem em uma profissão, convenhamos: Publicidade, das três, é a menos puxada. Inclusive, tem gente que entra em Publicidade só porque o curso tem essa fama de ser fácil, de só precisar ser criativo. Não é verdade, é claro, mas isso faz aumentar e muito o número de vagabundos por metro quadrado do curso.

***

Um amigo meu (publicitário) inventou a seguinte situação, para demonstrar como funcionam as diferenças entre os três profissionais: num trabalho em grupo, os RPs conversam entre si, discutindo cada aspecto do trabalho, de forma que o resultado final espelhe a opinião de todos. Os jornalistas dividem o trabalho entre si, cada um fica com uma parte e a faz sozinha. Os publicitários ficam desenhando.
Acredito que seja bem por aí. Seguindo o modelo, inventei outras situações onde pode-se notar a diferença entre os cursos:

No fim do mundo:
Os RPs se reunem para todos ficarem juntos no momento final, e se abraçam, e dizem o quanto cada um foi importante na sua vida. Aproveitam o grande número de pessoas reunidas para organizar um grande evento, que precisará ser melhor que os eventos de final de ano, afinal, vamos combinar, é uma festa de Final de Mundo, precisa ser do caceta. Os jornalistas, informados, já sabem o dia exato do fim do mundo há muito tempo, e vão se esconder nos seus bunkers individuais, previamente construídos, onde organizaram suprimentos de livros e uma videoteca do Antonioni. Os publicitários ficam desenhando.

Numa revolução: 
Os jornalistas se polarizam, alguns defendendo com todos os argumentos a revolução, outros chamando os revolucionários de tudo, de fascistas até rameiras do Lênin; depois, são contratados pelo jornal de ideologia contrária e mudam completamente de opinião. Os RPs se botam na frente dos tanques, distribuem flores numa ação de imagem previamente planejada e pedem que todos se deem as mãos. Os tanques passam por cima deles. Os publicitários ficam desenhando.

Num enterro:
O jornalista comparece, demonstra seu respeito pelo defunto, depois olha a toda hora para o relógio, perguntando-se se pega mal sair muito cedo. Para matar tempo, fica discutindo sobre Cuba com seus colegas. O RP chora compulsivamente, depois pergunta se haverá algum evento organizado para depois do velório. O publicitário chega atrasado, pergunta o nome do defunto por quatro vezes, fica confuso, pensando se está no velório certo, e então se retira para um canto. Possivelmente para ficar desenhando.

Num jogo de pôquer:
O RP fica dizendo que não gosta de jogar, porque não sabe mentir. Mas isso é uma mentira. O jornalista faz pacto com um dos adversários previamente, depois o sacaneia, pega todas as suas fichas e ganha o jogo. O publicitário se pergunta por que ninguém fez canastra ainda.


Numa estreia de cinema:
Os RPs riem (ou choram, depende do filme) alto, e conversam no meio do cinema, para descontento do jornalista, que está vendo o filme sozinho, num assento próximo, e odeia que atrapalhem o seu processo de imersão na película. O publicitário acha o filme muito bom, mas gostaria de ter chegado na hora para ver o início.


Numa entrega de trabalho:
O jornalista faz o trabalho correndo, na madrugada do dia da entrega, movido a café. O trabalho fica bom, mas ao entregá-lo ele acaba por não notar a mancha de café na capa. O RP faz um trabalho com o dobro de folhas que o professor pediu, e escreve um recadinho para o mestre desculpando-se caso ele ache que faltou alguma coisa. O publicitário não faz o trabalho.

Num perfil de Orkut:
Jornalista: foto de perfil em preto-e-branco, humor seco/sarcástico, citações de escritores europeus na descrição do perfil.
Publicitário: lista de música/banda preferida com cinquenta bandas indie que ninguém ouviu, álbum de fotos com todos os tipos de cabelos que já usou.
RP: dois perfis lotados.

Eu acho que deixei claro o meu ponto.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A lady

É mais do que normal passar por situações que dão errado. Você planeja tudo, nos mínimos detalhes, para que seja perfeito, mas tudo não sai perfeito. Tudo sai o oposto do perfeito. Sai uma caca. É sua culpa? Bem, é, na verdade. Mas às vezes há situações em que o Destino, esse safado brincalhão, parece querer implicar com você. Não culpe o Destino: a culpa é de uma mulher. Uma temperamental, sacana, sem noção, que aparece de vez em quando para ferrar com a sua vida. A lady. A Lady Murphy.
De lady, só o nome. A Lady Murphy é uma vadia e ela sabe disso. Ela sempre estará presente ao longo da sua vida, fazendo manifestações em horários inapropriados. Quando algumas coisas fogem do controle, não se irrite, é normal. Agora, quando tudo o que podia dar errado dá errado, pode ter certeza que há um dedo da lady nisso. É ela quem transforma um fail num epic fail. É ela quem fará seu carro estragar quando você está indo ao hospital para o parto do seu filho. E todos os táxis estarão ocupados. E o que não estiver será assaltado. E, quando você finalmente chegar no hospital, saberá que era alarme falso, apenas contrações mais fortes que o normal. Malditas mulheres.

***

O Nando volta do banheiro com a cara encharcada. Na mesa da praça de alimentação do shopping, a Jana o está esperando há algum tempo.
- Credo, Nando! O que houve?
- Nada, só joguei uma água no rosto para me acordar.
Ele senta de frente para ela. Finalmente, depois de anos de espera do Nando, a Jana terminara com o namorado. Desde que a Jana contara ao Nando que o namoro não ia bem, há um tempão atrás, aquela chama tênue de esperança que sempre existira dentro dele virara uma grande fogueira. Só não esperava que ela ainda demorasse um ano para finalmente decidir largar o Paulo. O Paulo era o ex. Tudo bem: Nando esperou pacientemente por todo esse tempo, e agora o momento chegou. Ela está livre. A mulher dos seus sonhos, só esperando por ele tomar uma atitude. Por causa de Jana, Nando entrara na academia e começara o tratamento contra as espinhas. Se preparara física e psicologicamente para o momento de hoje. Porém, quando nos vemos confrontados com algo que parecia ser tão distante, apenas um sonho futuro, é normal ficar nervoso. Nando esperara muito por esse dia, e agora não poderia desperdiçar o momento.
- Pois é, achei estranho você marcar de almoçar comigo no meio da semana... achei que os seus horários eram meio apertados - diz ela enquanto saboreia a sua refeição.
- Pra você eu sempre acho tempo. Sempre.
- Desculpa, não ouvi.
- Nada. Come aí.
Ele já havia terminado a refeição. Havia comido extremamente rápido, e queria que ela também o fizesse. Planejou que o momento deveria ser logo após o almoço. Tinha ensaiado tudo. Primeiro, a isca:
- Sabe que eu tenho uma colega de intercâmbio que está dando em cima de mim...
- Ah, é? - disse a Jana, curiosa.
- Ah, sim, se vazando horrores. Litros. É alemã.
- As alemãs são bem safadas, mesmo. É bonita?
- Ô. Todos os meninos da sala ficam babando por ela.
- Eita. Então vai em frente!
Era agora.
- Sabe, eu acho que não... - diz ele, coçando a cabeça.
- Ué, porque não? Você não disse que ela era bonita?
- Sim, mas, por mais linda que ela seja e por mais que todos os caras quisessem estar no meu lugar, eu acho melhor não fazer nada...
A Jana estranha:
- Como assim?
- Eu acho que tem mulheres mais certas para mim...
- Ah é? Tipo quem?
- Ah, mulheres que são lindas mas também são interessantes, divertidas, engraçadas...
- Que papo de bicha. A alemã tá te querendo. Vai nela.
- Ah, mas eu disse que eu queria uma mulher interessante, divertida...
- E como você sabe que ela não é isso tudo? Eu tô te dizendo, se eu fosse homem, eu ia atrás dela.
- Mas, mas...
- Já chega grudando.
- Mas eu não quero ela, eu quero outra pessoa!
- Quem?
- Ah, você sabe, quer dizer, acho que você já sabe, não sabe?
- Não, não sei! Ai, me conta! Quem é? - ela se debruça sobre a mesa para ouvi-lo melhor, seus olhinhos brilhando. Nando fica nervoso.
- Eu, quer dizer, ah, ah...
- Quem é? Eu conheço?
- Eh... sim, sim, é uma amiga minha.
Ela volta a sentar direito.
- Ih, então vai pra alemã, que eu conheço as tuas amigas e elas são todas feias.
- Não, você não entendeu ainda? Não são elas... é... é...
- Então é quem?
Nando se sente mais nervoso.
- Nossa, Nando, como você está pálido... - Jana o olha com preocupação.
- É? Não sei, estou? Ah...
- Tá passando bem?
- Estou bem. Olha, eu queria dizer que você está linda, quer dizer, é linda, quer dizer...
- Oi?
Nando se sente enjoado. Uma sensação quente começa a subir pela sua garganta.
- Eu... olha só, eu...
Nando sente um refluxo. A sensação quente quase passa da garganta. A cara de Jana mistura medo, nojo e preocupação.
- Com li-*refluxo*-licença!
Nando sai em direção ao banheiro.
- Nando! - Jana vai atrás dele.

***

- Desculpa aê a demora.
- Imagine. Você estava mal. Foi a comida?
- Sei lá. Deve ter sido.
- Tá, tá, só fala mais pra lá, por favor. Olha, acho que eu vou embora, então.
- Mas já? É tão cedo.
- Pois é, mas sei lá, melhor eu ir...
- Espera, senta aí que eu tenho uma coisa muito importante pra falar contigo...
Os dois sentam num banco no meio do shopping. Desde que saiu do banheiro, Jana notou que Nando consumia freneticamente vários Halls que tirava de uma embalagem do bolso. Nando saca a embalagem novamente e pega dois de uma vez. Oferece à Jana, que recusa.
- Eu esperei por muito tempo por esse momento... - diz ele, num tom de voz supostamente sedutor.
- Hein?! - Jana confusa. Ele pega na mão dela.
- Eu tenho tanta coisa pra te dizer, mas eu acho que palavras não são o melhor jeito para isso...
- O quê?
- Fecha os olhos.
Nando se aproxima. Jana consegue sentir seu hálito de Halls misturado com uma leve fragrância. De vômito. Seu sentido de aranha desperta.
- Epa. Vamos com calma.
- Como assim?
- Peraí. Vamos conversar.
- Conversamos depois. Agora fecha os olhos que eu quero te mostrar uma coisa...
- Não! Sai pra lá!
Jana empurra o Nando para longe. Ele parece chocado.
- Credo, Nando, que nojo! O que você tá fazendo?
- Você não entende? Eu te amo, Jana, eu te amo! Antes você estava com o Paulo, mas agora não está mais, e nós podemos ficar juntos! É perfeito! - ele volta a se aproximar dela.
- Peraí, chega pra lá! Como assim, você me ama?
- Eu posso te dar tudo o que ele não te deu. Eu posso te fazer feliz. É só fechar os olhos...
- Não, Nando! Eu não quero nada com você!
Nando para.
- Por que não?
- Olha o que você tá dizendo! A gente é amigo! Eu não quero ficar com você!
- Mas, mas eu esperei por tanto tempo...
- E que mau gosto de me falar isso agora! Eu acabei de acabar com o Paulo! Pô, me dá um tempo!
Nando muda a postura. Fala num tom mais agressivo:
- Dar um tempo? Eu esperei um ano -UM ANO!- pra você acabar de vez com o Paulo, ouvindo você falar mal dele, dizendo que ele não te dá atenção e coisa e tal... - seu lábio inferior começa a tremer - Não me fale sobre esperar!
Para a surpresa de Jana, Nando começa a chorar. Desesperadamente. Os passantes viram as cabeças para ver o que está acontecendo. Jana está morrendo de vergonha: não tem a mínima ideia do que fazer. Tudo o que sabe é que precisa fazer o Nando parar de chorar de algum jeito. Tenta uma mão amigável no ombro.
- Calma, Nando, calma...
Nando levanta a cabeça e olha para ela com o olhar mais odioso que consegue fazer. Jana nota que suas lágrimas desenharam pequenas trilhas no creme anti-acne de seu rosto.
- Se você não me quer, eu não quero mais saber de você! Me corta! Me corta do teu Orkut, me bloqueia do teu MSN... espero que a gente nunca mais se fale!
Nando espera uma reação desesperada de Jana para não perder o amigo, mas ela não fala nada. Apenas olha para os lados calculando quantas pessoas estão vendo a cena. Mais do que ela gostaria, conclui. Nando tenta mais uma abordagem:
- Vamos lá... no fundo, você sabia que eu gostava de você esse tempo todo... no fundo, você sabia que eu te chamei aqui pra te dizer isso... e você veio mesmo assim. Você gosta de mim. Vamos, diga o meu nome, diga...
- Paulo!
- Não! É Nando! O meu nome é Nando!
Mas ela nem ouve: se levanta e vai correndo abraçar o Paulo, que, por pura coincidência, está passando pelo local junto com dois amigos. O Paulo olha surpreso para a ex-namorada enquanto ela o abraça, desesperada.
- Ai, Paulo, ainda bem que você está aqui! - diz ela, e depois cochicha em seu ouvido: - Por favor, me tira daqui!
O Paulo olha para a sua ex, olha para o Nando, que está olhando pateticamente os dois abraçados, soma dois mais dois e se dá conta do que está acontecendo. Subitamente se sente muito bem consigo mesmo.
- Ah, quer que eu te leve pra casa? - pergunta ele.
- Sim, sim, por favor! Eu faço qualquer coisa!
- Tá certo. Só vamos nos despedir do seu amigo...
Paulo caminha decidido em direção ao Nando, arrastando junto a Jana, que não tem tempo de negar a proposta. Ele é mais alto que o Nando e bem mais bonito. Os dois nunca haviam se encontrado.
- E aí, cara! Prazer, eu sou o Paulo.
Estende a mão para o Nando, que o cumprimenta, abobado. Depois continua:
- Olha só, a Jana (passa o braço em volta dela) vai voltar comigo pra casa. Acho que ela vai se despedir agora.
- Tá, me espera ali com os seus amigos que eu já vou lá. - diz Jana, indicando os amigos de Paulo com a cabeça. Os dois estão a alguns metros de distância e rindo horrores da situação.
- Não, não - responde o Paulo -, eu estou bem aqui.
E fica parado, olhando os dois, com as mãos nos bolsos.
A Jana se volta para o Nando. Por um momento fica pensando no que falar. Finalmente suspira e diz, como se estivesse se despedindo de um técnico de televisão que viera consertar a antena de sua casa:
- Bom, então é isso!
Nando se levanta. Não vai se deixar humilhar assim.
- Sim, é isso. Agora com licença, eu também vou embora.
Dá uma encarada nervosa, vira de costas para Jana e sai andando, decidido. Alguns segundos depois, ouve ela chamar seu nome:
- Nando!
Ele se vira, esperançoso. Ela está se segurando para não rir.
- A parada de ônibus é pro outro lado!

domingo, 22 de novembro de 2009

A Ângela

Talvez alguns de vocês lembrem da crônica a seguir. Ela ficou no blog por menos de uma semana, sendo retirada após eu ter recebido reclamações por a personagem da história lembrar demais uma pessoa real, que poderia ficar ofendida com o texto. Reitero aqui que todos os textos presentes no blog "O Gato Sério" são puramente ficcionais, no máximo baseados livremente em eventos ou pessoas reais, mas nunca cem por cento retirados da realidade. Portanto, qualquer semelhança com pessoas ou eventos reais são apenas isso, semelhanças, e as personagens não são de jeito algum transposições diretas de pessoas reais para o meio ficcional. Era isso. Aproveitem a leitura.

***

A Ângela era perfeita. Um anjo, poderia se dizer. Nunca ninguém havia visto uma menina tão prendada quanto ela - e prendada era a palavra certa. Ela, acreditem, costumava limpar a casa por hobby. Por hobby! Não bebia -nem refrigerante!-, dormia às nove da noite e levantava às seis e meia. Nos fins de semana. E era linda. Os garotos se derretiam por sua beleza. O problema é que a Ângela não ficava, simplesmente. Não, não, senão não seria a Ângela, a pura Ângela. A Ângela era garota de se namorar firme. De se casar. E ninguém se importava com isso: quem pegasse a Ângela não iria querer largar nunca. Era consenso. Todos desejavam a Ângela, mas chegar às vias de fato era complicado. Era preciso criar terreno, se aproximar aos poucos, como se estivesse caçando uma gazela. Era preciso fazer ela se acostumar com a sua presença antes de dar o bote. Não era só chegar e perguntar "e aí, rola?," porque a Ângela não era assim. A Ângela era pura.

E foi para a surpresa de todos que o Marcelo apareceu certo dia dizendo que estava namorando a Ângela. O Marcelo não tinha nada de especial. Mas todos tiveram que reconhecer que ele se esforçou bastante para alcançar a sua meta. Foram meses de preparação de terreno, de conversar, marcar programas e eteceteras. E ele finalmente tinha conseguido. O Marcelo estava feliz. Exibia a namorada como um troféu, e todo dia falava dela ela para os amigos.
- Ela é perfeita. Ela faz de tudo. Ela cozinha maravilhosamente, ela pinta telas!
- Pinta tipo o quê?
- Ah, sei lá. Mas ela pinta. E borda. Sim, ela sabe até bordar! Mulheres assim não existem mais.
E os outros concordavam. Não existem, mesmo. Estava claro que o Marcelo nunca iria largar a Ângela. A Ângela era o ápice. Ele nunca encontraria ninguém melhor que ela. Melhor dizendo, não existia ninguém melhor que ela.

***

Certo dia o Marcelo sumiu. Sumiu, assim, de repente. Os amigos ligavam para a sua casa e ninguém atendia. A Ângela estava em prantos. Não entendia o que aconteceu. Procuraram a família do Marcelo, que disse apenas que ele se mudou. Pra onde? Não sabiam. Por quê? Não davam maiores explicações. Os amigos do Marcelo começaram a discutir o ocorrido. O que poderia ter acontecido para um cara como o Marcelo sumir do mapa, assim, sem aviso? E ainda mais deixando a Ângela, a pura Ângela, a mulher perfeita, para trás? A não ser... a não ser que a Ângela fosse a causa do sumiço. Uma facção dos amigos defendia a tese de que o Marcelo se frustrou por ter chegado ao ápice tão cedo. Certas pessoas têm um objetivo na vida, como ficar rico, encontrar a mulher ideal, e passam a vida perseguindo essa meta. O Marcelo tinha encontrado a mulher ideal muito cedo. Não tinha mais objetivos. Resolveu começar tudo de novo, do zero. A outra facção dizia que não, é impossível se cansar da Ângela. Simplesmente porque a Ângela é perfeita.

Finalmente um amigo apareceu com notícias do Marcelo. Estava em um mosteiro budista. A turma toda resolveu se reunir para falar com ele. Mas acharam melhor não levar a Ângela. Encontraram-no de quimono, rodeado por incensos. Estava meditando, na posição de lótus. Quando abriu os olhos e viu os amigos, tomou um susto.
- C-como vocês me acharam?!
Os amigos logo saíram perguntando o que deu nele para sumir assim, sem avisar ninguém. E, afinal, o que ele estava fazendo num mosteiro? O Marcelo não quis falar. Era horrível demais remoer as lembranças. Os amigos insistiram. Um, mais corajoso, perguntou:
- Foi a Ângela?
Ao ouvir esse nome, o Marcelo deu um gemido. Depois confirmou. Foi a Ângela, sim. A facção da teoria do ápice comemorou. Estavam certos! Mas não, desmentiu Marcelo, não foi por isso que ele sumiu.
- Eu, enjoar dela? É claro que não! A Ângela era perfeita!
Arrá, bradou a outra facção. Mas, afinal, se não foi por ele ter enjoado da Ângela, o que ela teve a ver com o sumiço? O Marcelo relutou um pouco, mas contou. Ele fugiu um dia depois de ter ido pela primeira vez na casa da Ângela. Para conhecer os pais.
- Ah, você não se deu bem com o sogro, foi isso?
Não, não foi isso. Tinham se dado super bem. Os pais dela eram ótimas pessoas e, para a sua surpresa, gostaram dele. Quando a Ângela tinha se retirado para lavar a louça, o Marcelo não resistiu e parabenizou-os. Pelo quê?, perguntaram. Por terem feito ela, oras! Todos riram, enfim, estavam todos de bem com a vida.
- E então, o que aconteceu?
Depois do almoço, a Ângela convidou-o para visitar o seu atelier. Nesse ponto, o Marcelo deu uma pausa. Não sabia se queria continuar contando. A lembrança era terrível demais. Se soubesse que a sua vida estava prestes a ser destruída, disse ele, nunca teria entrado naquele atelier. Viveria feliz para sempre, com a Ângela, amando-a até o fim da vida. Contanto que não entrasse nunca no atelier. Os amigos pediram para ele ser forte. Marcelo respirou fundo e continuou a história. Desceram para o atelier, que ficava no porão da casa. Ângela estava muito entusiasmada; queria mostrar a sua série de quadros para Marcelo. Tratava-se de uma série de releituras de uma mesma obra sua: O Falo.
- Por "falo" você quer dizer...
- Isso mesmo.
Então Ângela ligou a luz do porão e Marcelo teve a visão que destruiu a sua vida: quadros e mais quadros retratando falos e mais falos. Enquanto Marcelo observava atônito, Ângela explicava que esta série era uma obsessão sua. Como Monet e as suas pinturas da catedral. Não sabia por quê, mas tinha aquele impulso de pintar falos. Pintava-os e repintava-os e então pintava mais. Eram a sua temática preferida. Ângela, sorrindo, perguntou para Marcelo o que ele achou. Marcelo estava mudo. Não queria olhar para os quadros, mas não conseguia desviar os olhos. Como quando se olha um acidente de trânsito. Aqueles falos eram o acidente da sua vida. Deu um jeito de sair dali. No dia seguinte, foi para o mosteiro.
- Vocês entendem? Existem três coisas sobre as quais eu baseio a minha vida: a Terra é redonda, o céu é azul e a Ângela é pura como um anjo. Só que eu descobri que ela é um anjo pornográfico. Que nem o Nelson Rodrigues, o do "Bonitinha mas Ordinária," sabem?
Marcelo contou que sentiu como se tivessem puxado um tapete sob seus pés. Perdera totalmente os seus pontos de referência, se sentira totalmente desnorteado. O mundo estava louco, não estava fazendo sentido nenhum. Decidira entrar em profunda meditação e se desconectar do plano material da existência. Aquele mundo não era mais para ele.
- Agora, se vocês me dão licença, eu gostaria de continuar a me fundir com o nada.
Resolveram deixar o Marcelo no mosteiro; notaram que era um caso perdido. Saíram de lá discutindo a descoberta. Mas que coisa, a Ângela, com aquela cara de santa... realmente perturbador. Mas, ao invés de se internar num mosteiro como o Marcelo, acharam melhor esquecer da descoberta tomando umas cervejas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

O lado vencedor

Estávamos eu e meu amigo Lucas Costa fazendo o que fazemos de melhor: discutir. Desta vez sobre ideologias: ele tomando o lado do capitalismo, eu do comunismo. Apenas um debate saudável, nem eu nem ele somos radicais nas nossas posições, mas o negócio acabou evoluindo de forma acalorada. Para encerrar o debate, O Lucas disse uma frase que até hoje não desceu pela minha garganta: "bom, pelo menos o capitalismo funciona". Na hora não quis replicar, pois a discussão estava se encaminhando para o final e despejar meus argumentos naquela hora significaria começar toda a briga de novo. Mas eu tenho algumas palavrinhas para dizer sobre isso. Ah, e como tenho.
Primeiro, é comum inferir no erro de que o lado que vence é o certo. Afinal, por que outro motivo ele seria o vencedor? O fato de o capitalismo ter triunfado na Guerra Fria não é de modo algum uma garantia de que ele é funcional, significa apenas que o comunismo acabou caindo antes. E não vou entrar no mérito do comunismo aqui: não estou defendendo o seu lado, mas sim apontando as falhas do outro. Há uma diferença. Pois bem, com o fim da Guerra Fria começou a era da globalização e o mundo se tornou uno. Um planeta, sob jurisdição de um mesmo sistema econômico. Na teoria, o que deveria acontecer é que a livre circulação do capital não por um país, mas por um planeta inteiro, deveria trazer benefícios para todas as nações. Com as economias ligadas, o aumento no capital, digamos, nos EUA, para pegar como exemplo a nação mais forte, deveria repercutir nas economias de todos os países ligados em sua economia. Por quê, então, desde os anos 90 a diferença entre as nações mais ricas e as mais pobres aumentou ao invés de diminuir?
Agora, ao contrário, um crash na economia estadounidense repercute por todo o mundo, trazendo prejuízos em todas as nações por meio de uma teia de economias interdependentes em que os benefícios não são repassados, mas os prejuízos, em maior ou menor grau, afetam a todos.
O Papa João Paulo II, segundo Lech Walesa o grande responsável pela queda do Muro (vide post anterior), disse certa vez que o comunismo era uma árvore podre, ele só sacudiu-a para que caísse de vez. Um sistema com crises cíclicas de proporções mundiais também é, na minha concepção, uma árvore podre. Os pobres países da África, que após séculos de exploração como colônias viam agora um avanço substancial em suas economias, levaram uma rasteira com a última crise. Como é esperado que eles alcancem as nações mais desenvolvidas tendo que aguentar uma crise dessas a cada século? Onde está a justiça?
Agora, isso é pequeno, muito pequeno se comparado com o pior lado do capitalismo. Há uma faceta muito mais terrível. O capitalismo em sua forma atual não é só falho, ele é, a longo prazo, perigoso.
Lembrem-se que um conceito básico do capitalismo atual é que o lucro vem acompanhado do crescimento, e não há como aumentar o lucro sem desenvolver-se. Na hora em que o capital estanca, o negócio para de funcionar. É preciso que ele se multiplique, gerando o lucro e o crescimento consequente, e mais lucro, e mais crescimento, e mais lucro... ad infinitum. O problema é que vivemos num planeta com recursos limitados. Não há como crescer infinitamente com os recursos finitos da Terra. Não há como frear o crescimento, também, pois um mercado estanque significa a falência da empresas. Não há como crescer mais, e não há como parar. Estamos condenados a chegar a um limite, e estamos nos aproximando dele a passos largos. Assim que o cruzarmos, o caos: crise, desemprego, sem contar problemas ambientais gerados pela exploração agressiva dos recursos naturais, o que tornaria algumas regiões inabitáveis. O capitalismo não funciona. A bem da verdade, funciona tão mal que condenou a todos nós a um futuro totalmente incerto. Se não houver reformas profundas em nosso sistema nos próximos 50 anos, a nossa geração já irá acompanhar essa derrocada. Tem gente que tem medo de 2012. Não tenham: economia é uma coisa bem mais assustadora.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O Gorba

Pobre Gorbachev. Cada vez que alguém lhe dá os parabéns por ter desmantelado a União Soviética, ele deve dar um sorriso e, por dentro, se segurar para não socar a pessoa. Ontem, no evento comemorativo dos 20 anos da queda do Muro, quando a chanceler alemã Angela Merkel agradeceu publicamente a ele por ter deixado os eventos finais da Guerra Fria acontecerem sem intervir, Gorba deve ter sorrido o seu milésimo sorriso irônico. Mais uma vez, estavam expondo em rede mundial a sua incompetência em reformar a URSS e em virar a guerra. Incompetência, sim. Se as reformas políticas propostas por ele tivessem saído conforme o plano, a URSS, em primeiro lugar, ainda existiria, e seria algo parecido com a China de hoje: uma república comunista, porém com um mercado aberto e crescimento econômico acelerado. O negócio deu tão errado que em um espaço de tempo curtíssimo já não existia nem mais uma URSS para ser salva.

Gorba virou heroi por ter falhado em sua missão. Analisando friamente, as pessoas na verdade lhe dão os parabéns por ter sido um governista incompetente. Até lhe deram um prêmio por isso. O Prêmio Nobel ganho por Gorbachev foi o maior prêmio joinha da história. Foi mais ou menos como, "ei cara, você fez a gente ganhar a guerra! Tá bom que pra isso você teve que perder, mas, uau, isso é muito legal! Valeu!", seguido por umas palmadas nas costas. Muito bem, Gorba. Muito bem.
Lech Walesa, antigo chefe do sindicato polonês Solidaridad, recentemente tirou o mérito da queda do Muro de Berlim de Gorba. Disse ele que o responsável pela queda foi o Papa João Paulo II, o próprio Walesa e em, certa medida, o resto do mundo, mas não Gorba. Agora nem reconhecem mais o mérito de ele não ter feito nada para salvar a Alemanha comunista. Coitado. Nem pela sua incompetência ele pode ser parabenizado.

Dito isso, quero que fique claro que, mesmo sendo responsável pela derrota da URSS, eu admiro o cara. É sério. Sou fã do Gorba. A missão dele era difícil. A Guerra Fria já se arrastava por décadas. A URSS, depois do atoleiro que foi o Afeganistão, já estava sem recursos. Ao perceber que suas reformas serviram para acelerar a queda do comunismo, ao invés de fortalecê-lo, Gorba não tentou lutar contra: admitiu a derrota. Na queda do Muro, ele poderia se meter e acabar com a festa geral, mas não o fez. É como um homem preso em alto mar: ele pode nadar, mas sabe que cedo ou tarde irá cansar e se afogar. Gorbachev soube na hora que era inútil continuar nadando. Não esperou se cansar. Afundou, sim, mas com honra. Afinal, já que é para ser assim, ao menos afundemo-nos nós mesmos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A chance

Hoje faz 20 anos que o muro caiu. Há exatos 20 anos atrás, a divisão ideológica que separava o mundo em dois foi literalmente botada abaixo para dar lugar ao pensamento único e à globalização. O mundo era enfim um só. 9 de novembro de 89 foi a data do reencontro de milhares de alemães separados durante décadas. As pessoas cantavam e se abraçavam, inclusive com desconhecidos. Não importava: eram todos irmãos, todos finalmente de uma mesma nação.
A queda do Muro talvez seja o meu momento favorito da história mundial, porque foi uma revolução pacífica. Até onde eu sei, ninguém morreu ao derrubar o Muro. A data foi uma festa, uma grande festa, uma celebração. No calor da hora, os alemães presentes não celebravam o fim da Guerra Fria, do comunismo. Para o mundo, esse era o significado geral. Para os alemães, a celebração era sobre o direito de poder derrubar aquela coisa horrível que ficava no meio da cidade, bloqueando a passagem para o outro lado. Finalmente, poderíamos ver o que havia do outro lado. Finalmente poderíamos conversar com as pessoas do lado oposto. Depois de se esperar décadas para isso, não havia tempo a perder: pessoas pegavam marretas e destruíam elas mesmas a barreira. Elas esperaram anos por isso e não queria esperar nem um segundo a mais. Foi um momento de ação. Foi um momento lindo.

***

Se a queda do muro é o meu momento preferido, a Guerra Fria é sem dúvida o meu assunto predileto em História. Eu não acho que é dada a importância merecida à Guerra Fria. Acho que as pessoas gostam mais da II Guerra porque foi uma guerra maniqueísta. Nunca o lado do mal foi tão fácil de ser identificado quanto nessa guerra. Hitler representava o algoz máximo, e os Aliados a equipe do bem que colocou as diferenças de lado para salvar o mundo. EUA e União Soviética que o digam. Mas o conceito da Guerra Fria é muito mais interessante: foi uma guerra de ideologias opostas, capitalismo versus comunismo. O mundo caminhava para ser um só, e, num cenário onde havia cada vez mais interdependência de países, o mundo estava num mesmo carro e precisava decidir se dobrava para a esquerda ou para a direita. Uma ideologia temia ser dominada pela outra. Nenhum deles representava o Mal: eram tão somente dois lados que falharam em coexistir. O medo fez com que se separassem, se isolassem, isolamento esse materializado no Muro de Berlim.
O tempo passou, até que esse isolamento se esfacelou, há exatos 20 anos atrás. Tudo foi muito rápido: cinco dias antes alemães orientais fizeram um megaprotesto pedindo por reformas. Foram boladas novas regras para visitação fora das barreiras orientais: agora poderia-se passar pela fronteira sem precisar de condições prévias além de um visto. O secretário do Comitê de Informação da Alemanha Oriental, Günter Schabowski, acabou falando em entrevista sobre a decisão antes de ser preparada a infraestrutura necessária para colocá-la em prática. O resultado: milhares de alemães se encaminharam para o Muro e não puderam ser contidos. Mandaram um dedo médio para a burocracia e resolveram que aquele seria o dia em que atravessariam o Muro, com ou sem visto.

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Acabou a divisória, mas não o problema de que, afinal, havia duas ideologias regendo a mesma cidade. E é aí que poderíamos ter dado o passo fundamental para a construção de um novo mundo, sem polarização. Poderíamos ter trilhado um caminho do meio, poderíamos, frente a realidade de que agora não éramos mais separados um do outro, entrelaçar as ideias e procurar um jeito de nos entendermos. Não foi o que aconteceu. O capitalismo abocanhou vorazmente a parte oriental de Berlim. Velhos profissionais da Berlim comunista perderam suas funções e ficaram obsoletos. A conversão tão rápida a um novo sistema gerou desemprego e não melhorou a condição de vida para todos os berlinenses. Se antes eles não tinham a condição de crescer monetariamente e viviam com escassez de recursos, tampouco agora conseguem se adaptar à realidade de mercado voraz. Não há mais o antigo sentimento de camaradagem: agora é cada um por si, passando por cima do outro. Isso gera o sentimento da "ostalgia", que é o nome dado à saudade que alguns sentem de certos aspectos da antiga Berlim Oriental.
A Alemanha poderia ter pego os bons aspectos de ambos os lados, combinado as oportunidades de crescimento de uma economia capitalista com um pensamento comunista de companheirismo social, preocupando-se com o bem estar do todo. Não foi o que aconteceu, e agora temos uma Alemanha unida politicamente, mas até hoje dividida economicamente. A união das Alemanhas foi uma revolução, mas a possibilidade de uma revolução maior foi perdida. Mas, naquele 9 de novembro, o futuro não tinha a ver com ideologias: o futuro era o agora, era o reencontro, era a chance de ser, enfim, um só.

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A fim de comemorar os 20 anos da queda do Muro, durante toda esta semana estarei postando crônicas relacionadas à Guerra Fria. Faço isso porque um marco histórico como esse traz a chance de debater sobre questões que ficaram para trás, mas, ao mesmo tempo, permanecem muito atuais. Até o próximo post!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Enquanto isso, numa mesa de bar...

Podólatra 1: - eu curto um pezinho...
Podólatra 2: - pezinho é tri.
Anti-Podólatra: - eu não sei o que vocês veem num pé.
Podólatra 1: - ah, meu! Vai dizer que você não curte?
Anti-Podólatra: - cara, é só um pé. Qual é a graça num pé?
Podólatra 1: - qual a graça? Vou te dizer qual é a graça... assim que eu pedir mais uma cerveja... garçom! Mais uma!
Podólatra 2: - pé é uma coisa bonita, delicada.
Anti-Podólatra: - pra mim, pé é, sei lá, uma coisa que fica em contato com o chão. Uma coisa suja...
Podólatra 1: - não, meu!
Podólatra 2: - nada a ver!
Podólatra 1: - pelo pé é que se conhece a mulher... não adianta ela ser bonita e ter um pé feio, mal cuidado... o pé mostra a essência da pessoa. Pelo pé é que se sabe se a mulher é uma lady ou se é da roça.
Anti-Podólatra: - tá, então é isso, o fetiche é pelo pé bem cuidado, lisinho, unhas pintadas e tal...
Podólatra 1: - unhas pintadas, não.
Podólatra 2: - unhas pintadas é bagaceiro.
Podólatra 1: - unhas pintadas é bagaceiro. De vermelho então, nem se fala. Mulher de classe não pinta as unhas de vermelho. Deixa bem cuidada, mas não pinta. Pintar é coisa...
Podólatra 2: - é coisa assim, de mulher...
Podólatra 1: - simplesmente não é coisa de mulher direita. Mas como eu ia dizendo... como era, mesmo? Ah, sim, é pelo pé que se conhece a mulher. As extremidades, se bem cuidadas, dizem tudo. Pés lisinhos, mãos lisinhas... A mão também. Mãos lisinhas e delicadas, vai dizer que você não gosta?
Anti-Podólatra: - eu só não sei como tem gente que fica excitada vendo um pé... mão eu até entendo, tem a coisa do toque, é legal. Mas o que eu vou fazer com um pé? Lamber? Não é muito legal.
Podólatra 2: - como não? Só porque você tem essa frescura de que pé é coisa suja.
Anti-Podólatra: - e outra coisa. Homem também tem pé. Imaginem um homem com o pé pequeno e bem cuidado, igual ao de uma mulher. Vocês achariam sexy? Porque não tem diferença.
Podólatra 1: - tem sim! Pé de homem e de mulher é totalmente diferente! Pé de homem é nojento, peludo...
Anti-Podólatra: - tá, tira os pelos, então.
Podólatra 1: - mesmo assim, não é igual. Eu sei, eu já depilei meu pé. Dá pra ver que é pé de homem, com ou sem pelo.
Podólatra 2: - peraí, você depilou o pé?
Podólatra 1: - eu estava em casa de tarde, sem nada pra fazer... sabe como é.
Anti-Podólatra: - vocês falam como se eu fosse estranho, mas é normal não gostar de pé... não quer dizer que eu não tenha nenhum fetiche. Eu curto ruivas, por exemplo.
Podólatra 1: - ah, sim. Mas todo mundo curte ruivas.
Anti-Podólatra: - eu nunca fiquei com uma ruiva. Um dia ficarei. É o meu grande objetivo.
Podólatra 1: - eu também não.
Podólatra 2: - eu já.
Podólatra 1: - uau! Sério? E como é que foi?
Podólatra 2: - normal, até. Vocês conhecem ela. É a Michele.
Podólatra 1: - a Michele não é ruiva. É louro-escura.
Podólatra 2: - cala a boca. Ela é ruiva, sim.
Podólatra 1: - é nada. Louro-escura.
Podólatra 2: - sei. O cabelo dela é mais vermelho que esta parede.
Anti-Podólatra: - sempre me perguntei o que os daltônicos devem achar das ruivas. Acho que eles não devem ver graça nenhuma.
Podólatra 1: - até que ponto dá pra dizer que a mulher é ruiva e até que ponto ela vira louro-escura?
Anti-Podólatra: - sei lá. Ruiva é a que tem sardas...
Podólatra 1: - nããão... nada a ver, você está falando da ruiva-ferrugem. Não é esse tipo de ruiva que você gosta, é?
Anti-Podólatra: - pra mim, ruiva genuína tem cabelo vermelho, sardas e pele muito branca. Qualquer outro tipo é falsificação barata.
Podólatra 1: - e você? O que acha?
Podólatra 2: - acho que é uma questão muito delicada, essa do pé...
Anti-Podólatra: - cara, a gente já mudou de assunto. Faz tempo.
Podólatra 1: - estou descobrindo que você tem gostos estranhos... prefere mulher mais nova ou mais velha?
Anti-Podólatra 1: - eu? Ah, eu curto as mais velhas. Espera... defina velha.
Podólatra 1: - tipo, mais de vinte anos.
Anti-Podólatra: - você considera mulher de mais de vinte anos velha?
Podólatra 1: - sim, são mais velhas que nós. Espera aí, que tipo de velha você achava que eu estava falando?
Anti-Podólatra: - nada não. Deixa pra lá.
Podólatra 1: - hmm... tô sabendo dos teus fetiches... eu já curto uma mais novinha.
Podólatra 2: - eu também!
Podólatra 1: - é, né? Umas adolescentes mais crescidinhas...
Podólatra 2: - bah, eu curto mesmo são as pré-adolescentes.
Podólatra 1: - epa.
Anti-Podólatra: - como assim? Explique-se.
Podólatra 2: - hein? Ah, vai dizer que vocês não curtem?
Anti-Podólatra: - claro que não! Eca! Pré-adolescente, nem peito tem ainda...
Podólatra 2: - espera aí! Estamos falando da mesma coisa?
Podólatra 1: - sei lá, cara, eu acho meio doentio essa coisa de curtir menina de doze anos...
Podólatra 2: - quê? Nãããão! Que idade você considera que é pré-adolescente?
Podólatra 1: - como assim que eu considero? É dos onze aos treze. Está no ECA, eu acho.
Podólatra 2: - onze? Não mesmo! É a partir dos dezesseis, não é?
Anti-Podólatra: - claro que não! E a pessoa vira adolescente quando? Aos dezoito?
Podólatra 2: - eu estava me referindo a garotas de dezesseis anos... dezesseis tudo bem, né?
Podólatra 1: - é...
Anti-Podólatra: - desde que sejam bem desenvolvidas. Que susto, cara, não faz mais isso com a gente.
Podólatra 1: - imagina se alguém ouvisse isso o que você disse?
Podólatra 2: - tem razão, tem razão...
Anti-Podólatra: - que merda, a gente só falando besteira a noite toda... de que adianta? De que nos acrescenta?
Podólatra 1: - tá certo. O mundo não é só pés e ruivas e garotas de dezesseis anos...
Anti-Podólatra: - bem desenvolvidas.
Podólatra 1: - ...bem desenvolvidas, isso. Vamos mudar o assunto.
No bar, há uma televisão onde está sendo exibido um noticiário. Na tela, o presidente da França.
Anti-Podólatra: - é isso! Vamos falar de política mundial!
Podólatra 2: - isso!
Todos olham para a televisão. Silêncio. Então:
Podólatra 1: - do Sarkozy eu não sei, mas aquela Carla Bruni tem um pezinho...