segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Resoluções

     Eu nunca fiz resoluções de Ano-Novo. Sim, este post trata de resoluções, e é quase ano novo, mas não são resoluções de Ano-Novo: só coincidiram de serem feitas em Dezembro. Ainda assim, o fato de ser Ano-Novo pouco ou nada tem a ver com as minhas resoluções de Ano-Novo, digo, com as minhas resoluções. Na real, é uma só resolução. Feito esse esclarecimento, vamos a ela:

     A minha resolução é fazer uma faxina na minha vida criativa. Cortar o que atrapalha. 2010 foi um ano disperso. Sabe quando você chega em casa, e tem a vontade de fazer várias coisas, e na confusão de escolher o que se faz primeiro, acaba não fazendo nada porque, de tanto pensar em fazer tanta coisa, tudo o que se quer é desopilar um pouco? Só um pouquinho, sabe? Só um tempo fora de si mesmo, de ficar com a cabeça trabalhando, trabalhando, sem conseguir expremer nada. Tem dias que eu chego em casa me sentindo uma laranja com pouco suco, da qual tentaram extrair uma jarra inteira.

     Pois é, eu não fiz muito coisa nesse ano. Mas, em compensação, eu quase fiz muita coisa. Elas poderiam ter acontecido, a não ser pelo fato de que simplesmente não aconteceram.

     Em busca do motivo desse nadismo crônico descobri que o problema foi justamente a vontade de fazer várias coisas novas. Queria tentar me aventurar por estilos diferentes, métodos de criação que não havia tentado. Ficava atento por novas referências. Precisava de um repertório renovado porque... porque precisava, oras! Pedra que rola não cria limo.

     Essa vontade de inovar, descobri eu, é extremamente prejudicial. Exemplo: quem acompanha este blog sentiu a gutural diminuição no ritmo de postagens em comparação ao último ano. A verdade é que eu nunca parei de escrever. Nunca, antes de 2010, comecei tantos textos, e nunca deixei tantos textos incompletos. São pedaços, retalhos, alguns sem pé nem cabeça, alguns faltou a cabeça, alguns faltou o pé... esses quase foram publicados mas, mancando, tropeçaram. Falta de foco. Tantas idéias, mas não havia tempo para desenvolvê-las! Precisava produzir mais, mas... o quê? Em busca do novo, acabei não produzindo nada.

     Algumas pessoas, no Ano-Novo, fazem promessas de cortar gorduras. Eu corto referências. Agora, só o básico. Sem inventar moda. Já chega de provar outras comidas e sair com um gosto ruim na boca. Tentei expandir meu universo para áreas nunca dantes navegadas, me forçar a fazer música, escrever, roteirizar coisas fora da minha zona de conforto, mas o resultado foi pífio. Não que sair da zona de conforto seja ruim, pelo contrário: é um exercício necessário à sobrevivência de qualquer artista. Mas isso tem que ser feito do jeito certo. Não adianta eu querer de cara sair criando, sei lá, uma MPB, se eu não me dispus a saber como ela funciona, se eu não me familiarizei com ela antes. Senão o máximo que farei é uma cópia malfeita. Descobri uma palavra: técnica. A técnica é o meio pelo qual se canaliza a expressão. Sem mestrar a técnica, corre-se o risco de perder toda a autenticidade quando o que se buscava era justamente novas linguagens para o autêntico.

Mas o que foi feito de tão diferente, que o leitor não viu? Pois é, nada! Eu não fiz nada, nem de igual nem de diferente. Faltou produzir. Faltou gerar material. Essa saída da zona de conforto foi tão... desconfortável, que a briga por gerar algo fora dos meus padrões de criação regulares era tão desgastante que, quando vinha alguma idéia nos novos moldes, ela era fraca, não valia o esforço de ser colocada no papel. O suco que saía era amargo demais para ser degustado. Então eu não botava nada no papel. Por isso que, nesse fim de ano, resolvi cortar as novas influências que não me levaram a lugar nenhum. Descobri que com menos se faz mais. Agora é back to basics. Hora de me reencontrar, criativamente falando.

O texto ficou confuso. Leiam tudo isso aí de novo que deve fazer mais sentido. Eu não vou reescrever.

***

     Isso me remete à minha querida banda, a (até alguns meses atrás) 5 a Seco. 2010 era para ser o ano da 5 a Seco: com o novo estúdio próprio, os ensaios iriam ser mais numerosos que nunca. O que não era difícil, pois eles nunca foram numerosos. Ao invés disso, esse se revelou um ano de perdas para o grupo: perdemos um membro, que foi para a Califórnia e só volta Deus sabe quando, e perdemos metade do nosso nome. Sim, pois há, acreditem, uma outra 5 a Seco no Rio de Janeiro. Exatamente assim: 5 a Seco. Quais são as chances? Eles chegaram primeiro e, o fato que mais dói, eles são muito, muito, muito bons. Depois de alguma hesitação (foi sugerido mudar para “5 à Seco”, com um acento diferencial), o nome foi amputado, para a decepção de tantos que achavam graça nas piadinhas de cunho sexual feitas a ele. Agora é só 5. O numeral. Era isso ou mudar totalmente de nome.

     O fato é que, 5 a Seco ou só 5, eu amo a minha banda. Nós temos três músicas prontas, umas quatro em trabalho e cerca de 49 jam-sessions com trinta minutos de duração cada que nunca foram aproveitadas. Ou seja, a média de produção de qualquer banda com dois anos. As pessoas olham torto para as nossas (pouquíssimas) apresentações. Elas não entendem a arte, obviamente. Tivemos que fazer alterações em O Velho Flautista, uma balada-épica de inspiração claramente Tolkienana, com um elegante dedilhado de violão clássico costurando os vocais poéticos da música, uma ode a um velho bardo que, sem ter mais o seu amor, transforma seu sentimento em uma linda canção que atrai o povoado ao seu redor. Haveria um segundo movimento, uma mudança de tempo para um ska pegado, com uma bateria a la Rodrigo Barba na era pré-Bloco do Eu Sozinho, que foi cortado devido a apelo popular. Dos próprios membros da banda. Eu achava tão legal. Acho que eles também não entendem. O inimigo vem de dentro, pelo visto.

     Pois bem, o ponto é que eu havia perdido esse toque de criar as coisas que me agradem. Acabava pensando se aquilo que eu fazia era bom ou não, com base na interpretação de terceiros. E acabei esquecendo do princípio número 1 da arte, a meu ver, que é o que diz que ela nasce da expressão e do ponto de vista individual do artista. O primeiro passo para a boa arte é ser considerada boa por seu realizador, senão ela será fraca, ruim, não terá apoio do seu próprio progenitor. Não adianta eu criar um repertório que não me pertence. Se eu, o artista, não me sentir conectado com a minha produção, como eu vou querer que alguma outra pessoa o faça?

     Então, de volta à minha banda: o que me faz gostar tanto dela é que criamos músicas para nós mesmos, e, se outras pessoas não a apreciarem, tudo bem. Dentro dela eu pude me manter autoral, mesmo no meu ano menos autoral de todos. Quero começar 2011 fazendo coisas que eu gosto, lendo coisas que eu quero ler, ouvindo coisas que eu ouço por prazer. Tocando músicas que só eu e o meu grupo entendemos. E recomendo que todo mundo faça isso, procure um repertório próprio, que possa chamar de seu. Mesmo que seja considerado tosco pra caramba pelos outros. É isso o que cria um diferencial criativo.

    Feliz Ano-Novo a todos.