quarta-feira, 9 de março de 2011

A liberdade relativa

A História se move de modo lento, mas as coisas importantes acontecem muito rápido. Olhem o Muro de Berlim: levou uma noite para se erguer e uma noite para cair. Os bolcheviques levaram dez dias para abalar o mundo, como nos conta John Reed. E a Revolução Jasmim na Tunísia, ainda há pouco, derrubou em algumas semanas um regime de décadas de duração.


É interessante como estes pontos de mudança ocorrem depois de um longo período de mesmisse. É como se o povo de países como a Líbia, Egito e Tunísia estivessem enchendo uma barrinha de insatisfação, que ao se completar permitiria passar para o próximo nível. Alcançado o ponto máximo, é hora de seguir para a próxima fase. Só que ninguém sabe qual é. Dificilmente será uma democracia, no nosso conceito.

Walter Laqueur, um historiador sovietólogo, escreveu no seu livro “Fim de um Sonho” que o principal motivo para o povo russo ter se mantido apático durante a ditadura stalinista foi o seu conformismo herdado. Sim, pois antes do regime soviético os russo tiveram anos de monarquia czarista, e portanto não eram livres há gerações, se é que um dia o foram. Eles estavam acostumados a esperar as coisas melhorarem de situação, conscientes de que o poder para isso não estava com eles mas sim na boa vontade de alguém mais poderoso. Penso que no mundo árabe deve ser parecido: todos os países, ou ao menos a sua maioria, migraram de monarquias antigas para um longo período de ditaduras, que são também meio que monarquias, pois o Kadafi planeja botar o filho no poder e o Mubarak até mês passado pensava o mesmo. Eles não conhecem a liberdade. Para quem não é livre, é filho de pais não-livres e neto de gerações subordinadas, liberdade é artigo de luxo. É dispensável, até.

Estranho este conceito para nós, ocidentais. Liberdade não é a prioridade de todo mundo. Ou, ao menos, a liberdade democrática representada por eleições livres. Estas revoluções nascidas no mundo árabe não têm como motivo a luta por eleições livres, e sim uma mudança na conduta do governo. Se antes das revoltas pegarem fogo o Mubarak saísse para a sacada e anunciasse reformas profundas na economia e cortes na corrupção, seria capaz de os egípcios o deixarem mais trinta anos no poder. Não, não. O motivo dessas lutas é que o pão está caro, e não há empregos para pagar o pão. Uma situação diferente da Líbia, que tinha um desempenho decente comparado ao resto da região, mas ali ninguém sabe direito o que está acontecendo.

Eles não querem, necessariamente, uma democracia representativa. Se isso vier, é lucro. Tudo o que eles querem, aparentemente, é alguém comprometido a tirá-los do buraco, ditador ou não. Nos países em que não há oposição organizada, nem partidos políticos nem nada do gênero, chuto dois possíveis destinos: um, uma junta militar vai liderar um processo de transição, como ocorre no Egito, e essa transição vai durar o tempo que eles quiserem (o que é irônico, porque foi mais ou menos assim que Mubarak chegou ao poder), ou dois, vai subir ao poder o único grupo que sempre está organizado mesmo com a ausência de partidos políticos, que é o religioso. O que normalmente não significa liberdade.

De qualquer jeito, o negócio vai se assentar, durante décadas, até que a nova ditadura não sirva mais, e o povo, num rompante orgiástico, o coloque pra fora em duas semanas. Como sempre acontece.