segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O bigodinho do Hitler

     Causou choque nos presentes o novo bigodinho do Dudu. Era aquele corte onde são tirados os pelos das extremidades, deixando barba só no meio do buço, igualzinho ao usado por Charles Chaplin ou por...

     - Hitler!

     - Não. Chaplin.

     - Cara, esse é o bigode do Hitler. Tira isso.

     - Não, é do Chaplin. E eu não vou tirar.

     O Dudu era um fã confesso dos filmes do Carlitos. Mas ninguém imaginava que a sua adoração chegasse a esse ponto. Quer dizer, ele tinha todos os filmes em dvd, e na sua parede estava pendurado aquele pôster clássico do Chaplin com o garotinho sentado ao lado, que o Dudu poderia muito bem ter comprado pronto na Wall Street Poster mas escolheu mandar fazer porque queria um modelo maior. Mas admirar um artista e imitá-lo fisicamente são coisas diferentes. Até então, todos achavam que a admiração do Dudu fosse saudável.

     - E por que não seria saudável? O que há de errado em copiar a marca de uma pessoa que você admira, ressucitar seus ideais, ainda mais tratando-se do maior gênio da comédia de todos os tempos?

     - O cara matou seis milhões de judeus e você chama o Hitler de gênio da comédia?

     - Hitler não! Chaplin! CHAPLIN!

     O bigodinho trazia problemas. Pessoas xingavam na rua. Não era raro jogarem coisas no Dudu. Quando ele precisava de uma informação, ninguém parava para lhe ajudar. Certa vez teve problema com um guarda.

     - Esse seu bigode aí...

     - O que tem?

     - É o bigode do Hitler. Não pode andar com ele.

     - Porque não?

     - Não sei, mas deve ser ilegal. Não pode usar.

     - Em primeiro lugar, é o bigode do Chaplin. Em segundo lugar, nã há lei que proíba porte de bigode. Qualquer bigode.

     -Você não vai tirar?

     - Como é que eu vou tirar um bigode no meio do shopping?

     - Tá bom, vou te dar essa chance hoje, mas não pode andar com isso aí não.

     - Pode sim!

     - Sei não, sei não...

     E o guarda ficou o tempo todo atrás do Dudu, olhando desconfiado.

     Quanto mais as pessoas tratavam o Dudu mal por causa de seu bigode, mais ele encontrava forças para usá-lo. Agora não era mais pelo Chaplin. Agora era por uma causa. A causa do bigodinho. O bigodinho era o teste social definitivo. Na visão de Dudu, as únicas pessoas dignas de atenção eram as que aceitassem o seu bigodinho. Quem o tratasse diferentemente por um simples trecho de pelo debaixo do nariz não merecia a sua consideração. Os amigos o suportavam porque o conheciam de longa data, mas faziam apelos para que o Dudu tirasse o bigodinho. Isso estava acabando com a sua vida social. O Dudu nem ouvia. Iria achar pessoas que o aceitassem do jeito que era.

      Como de fato achou, na Rebeca. A Rebeca era uma louraça linda que, contra todas as probabilidades, achava o bigodinho do Dudu não só bonito como, como um dia ela lhe confidenciou em particular, muito sexy. A Rebeca virou a namorada do Dudu, e ele fazia questão de sempre levá-la para tudo quanto era canto, para que todos pudessem ver que, olha lá, existem pessoas que veem muito além de um bigode polêmico. Ele gostava de jogar isso na cara dos amigos, que, com o advento da Rebeca, perderam as esperanças de fazer o Dudu raspar aquilo.

***

     O que explica a surpresa geral que foi quando o Dudu apareceu de cara limpa e, tão surpreendente quanto, sem a Rebeca. Quando perguntado sobre o assunto, tudo o que o Dudu dizia é que eles tinham razão, usar o bigodinho era perigoso demais. Pressionado para contar mais, ele disse que um dia a Rebeca chamou-o para o seu apartamento. Ele bateu a campainha, e a Rebeca gritou que a porta estava aberta. Dudu entrou no apartamento e achou Rebeca deitada nua na cama, com uma boina da Gestapo.

     - E aí?

     - E aí que eu hesitei. Mas resolvi ir em frente.

     A gota d'àgua foi quando, durante o sexo, a Rebeca começou a gritar "mein führer!" repetidamente. Aí não deu. Brochou na hora.

     - No mesmo dia resolvi tirar o bigodinho do Hitler.

     - Do Chaplin.

     - Não, não - suspirou ele, derrotado. - Do Hitler.

     Apesar do Dudu ficar bem deprimido, os amigos estavam felizes que aquela bobagem acabara. Agora o Dudu estava quase normal. Era só questão de tirar o pôster do Chaplin do quarto.