domingo, 8 de abril de 2012

Confronto no Condomínio São Sebastião

Completa quarenta e oito horas o confronto entre a administração do condomínio São Sebastião e os rebeldes que ocuparam o salão de festas. O conflito teve início quando João de Marcos Rolim, 26 anos, até recentemente morador do apartamento 410, resolveu reunir os amigos para o que seria sua última festa antes da mudança. O síndico Allan Mesquita Silveira Alves, 60 anos, conhecido pelos condôminos como Seu Mesquita, lembra que a confusão já começou com o número de convidados, que excedia em muito o permitido pelo regulamento interno, mas que isso poderia ter sido resolvido sem prejuízo entre as partes. O real estopim foi quando, às três horas e vinte minutos da madrugada do dia 26, após ter reclamado do barulho por diversas vezes, dona Clotilde, moradora do 201, uma senhora de muita coragem e pouca paciência, foi pessoalmente resolver o problema e levou uma lata de cerveja na cara.

"Foi horrível", relata Alice, filha de Clotilde e também moradora do 201. "Ficaram fazendo piadas com mamãe, chamando-a de 'Bruxa do 201'. Isso depois de acertarem a latinha!". Num misto de tristeza e ódio, Alice rompe em lágrimas e não consegue terminar o depoimento.

Após horas de agonia, dona Clotilde veio a falecer. O condomínio em peso pediu retaliação ao síndico, que rapidamente abraçou a missão de expulsar os rebeldes. "Eles são muitos. O povo cobra ações rápidas, mas não dá pra fazer tudo na pressa. É preciso estratégia", conta Seu Mesquita. Desde as quinze horas do dia do incidente ele se encontra reunido na Sala de Jogos em reunião extraordinária com o conselho do condomínio. São momentos de tensão. Alice resume bem a situação: "Eles tiraram um dos nossos. Vamos querer um deles".

***

Terceiro dia do conflito. Para se proteger, os rebeldes erguem barricadas em volta do perímetro do salão utilizando engradados de cerveja. Moradores cobram ações do poder público, mas a prefeitura, com a repercussão popular do incidente na reserva indígena do Alto Cairú ainda vívida na memória, desautoriza a polícia a agir, alegando que uma ação militar em território não diretamente administrado pelo município implica uma interferência ilegal na autonomia política do condomínio. À tarde, uma das caixas de som que vinha tocando ininterruptamente as mesmas músicas durante 110 horas queima. Disfarçado de visitante, um amigo dos rebeldes entra no condomínio com uma caixa de som nova e um pendrive com música eletrônica. Ele consegue passar pela barreira, não sem antes sofrer uma tentativa de apedrejamento das velhinhas que patrulham o perímetro.

O conselho do condomínio alega que uma invasão à força, apesar dos pedidos dos moradores, não é opção pois os rebeldes são jovens e a maior parte dos condôminos têm problemas de articulação nas juntas. Uma das moradoras pede ajuda a Jorge de Almeida Couto, 27 anos, vulgo "Jorjão", seu fisioterapeuta e personal-trainer no contraturno, para expulsar os rebeldes. A população aplaude a chegada da arma secreta. Jorjão abre caminho facilmente através da barricada de engradados. Tumulto dentro do salão; o aparelho de som é desligado. Ouve-se gritos. Depois de minutos de suspense, Jorjão aparece à porta, visivelmente alcoolizado e com uma garrafa de Natasha na mão. O herói fora convertido. Começa a música eletrônica.

***

Quinto dia. Os rebeldes anunciam publicamente que pretendem fazer "a Maior Festa da História". Eles agora ocuparam a área da piscina e entram de roupa na água, o que Seu Mesquita identifica como "uma afronta direta às regras de uso da área recreativa". Os moradores tentam expulsá-los jogando estátuas de gatos de porcelana e caixas de remédios vencidos, sem sucesso. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Seu Mesquita reclama da omissão da polícia, dizendo que ela "tem a minha autorização para agir aqui dentro, mas não age, pombas". Procurado, o prefeito responde que o conflito e sua resolução são responsabilidade integral dos condôminos e se recusa a envolver as forças municipais no assunto. Também pede que, por favor, parem de contatá-lo, pois está no Rio de Janeiro para fechar parcerias importantes para a cidade e não gosta de levar celular à beira-mar.

À tarde, os moradores têm sua primeira vitória: dois rebeldes morrem na piscina. Após tomar o equivalente a duas garrafas de rum com energético cada um, os jovens sofrem um colapso dentro d'água e morrem afogados. Alice, integrante do movimento "Dona Clotilde Vive", diz que o álcool é uma variável importante na guerra e pode ser o responsável por desmoronar a resistência rebelde a médio prazo. João Rolim, líder dos rebeldes, recebe tal afirmação com desdém. Em entrevista coletiva para jornalistas, ele afirmou que a festa nunca esteve tão longe de terminar e que a resistência tem a situação sob controle, ainda que admita que todos estão alcoolizados há dias. Ao final da entrevista, continuou respondendo a perguntas de um repórter invisível sobre a louraça que está pegando.

***

Já faz nove dias do início do conflito e a festa ainda não tem hora para acabar. Moradores dos andares mais baixos relatam não dormir há uma semana. O confronto transforma-se numa guerra de resistência: qual dos lados aguenta mais tempo?

Às dezenove horas, tensão no salão de festas: falta luz. O síndico teve a ideia de desligar a chave de energia, deixando o salão no escuro. A bateria do MacBook dos rebeldes eventualmente acaba e a música também. Um mártir suicida do lado de fora consegue fazer passar um violão pela barreira, sendo logo depois desmembrado por velhinhas raivosas. Os rebeldes fazem uma roda de viola. Uma garota acha velas na despensa e organiza um luau. Em entrevista, o síndico diz que os rebeldes não resistirão à cerveja quente. A batalha está perto do fim.

***

Décimo dia. A condição higiênica dos banheiros leva a dois óbitos. Rebeldes colocam os corpos na geladeira, bêbados demais para lembrar que ela não funciona sem luz. Pela manhã, os primeiros despilhados cruzam a barreira, sóbrios, enjoados e pedindo, por favor, um celular para ligar para o pai vir buscar. À noite, o cheiro dos banheiros e dos corpos leva a dois desmaios, os primeiros não causados pela bebida. O grupo de revoltosos agora já é bem menor.

***

Na manhã do décimo-quinto dia os rebeldes apresentam suas condições de rendição: anulação de todas as dívidas de guerra, multas de condomínio e pendências no aluguel do salão, além de socorro imediato aos enfermos. O síndico aceita reduzir as multas em 50%, um abatimento estimado em US$ 16 bilhões. Rebeldes negam responsabilidade pelo pagamento e entregam o dono do apartamento e responsável pela festa, João Rolim, para os condôminos. Após a cerimônia de execução do líder revoltoso em praça pública, o síndico declara feriado. Ele diz à CBN que esta é uma vitória do povo sobre a opressão, da Justiça sobre a anarquia, da ordem sobre a selvageria. Uma vitória do Estado republicano, liberal, trabalhador, casado e com 2,5 filhos sobre o que ele chama de "esses guri (sic) com cocô na cabeça".