domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ócio é negócio

Algo muito preocupante no mundo de hoje é a perda do ócio. As pessoas não têm mais tempo nem para perder tempo. Vivem todas ocupadas e correndo. Ah, como correm essas pessoas de hoje. Quem está sempre com pressa não tem tempo para pensar. E quem não pensa não cria. O ócio é produtivo. Acham que esta crônica nasceu do quê?
Dizem que Deus descansou no sétimo dia. Balela. Ele estava sem fazer nada desde o início da semana. Ninguém iria se propor a criar o Universo se não estivesse com muito tempo livre. Vai ver ele estava numa semana de folga, sem nada pra fazer, com a televisão pifada. Devemos o mundo ao ócio de Deus.

- Muito bem: haverão mares, e onde não houver mares haverá a terra, e montanhas, e eu acho que assim está bom.

Olha para a sua Criação por alguns minutos. Olha para o relógio. Suspira.

- Bom, acho que posso matar mais um tempinho criando Vida...

E fez as plantas, e os animais, e, num momento de maior divertimento, fez a girafa. E, na falta de um bom sitcom para ver na tevê, fez os homens e as mulheres e todos os seus problemas de relacionamento.

- Haha... esses hominídeos me matam.

- Deus - seu chefe bate na porta - Acabou a folga.

- Certo. Só deixa eu arrumar uns problemas aqui...

- Nada disso. Você já ficou uma semana aí brincando com essa merda. É hora do trabalho.

- Tá. Vou ter que deixar mal acabado, mesmo.



De tanto ir de lá pra cá, na famosa "correria", as pessoas só têm tempo de organizar seus pensamentos na hora do trânsito. E não digo só no trânsito de carro, mas trânsito de ações, qualquer espaço de tempo que envolva encaminhar-se para a próxima tarefa. Pode ser o tempo de esperar o ônibus, a sala de espera do dentista (alguém acha tempo para ir ao dentista?), a fila do cinema. Mas, ao invés de colocar a cabeça em ordem e aproveitar esses valiosos minutos de fazer nada, as pessoas ligam seus Ipods e botam os fones de ouvido. A música preenche o espaço dos pensamentos, mantém a cabeça ocupada, tira a necessidade de divagar. Divagar é importantíssimo. As grandes descobertas da Ciência nasceram da divagação, e esta, do ócio. Newton, ao descansar embaixo da macieira, estava matando tempo. Se não fosse o ócio de Newton, hoje desconheceríamos a gravidade e o cálculo. Não saberíamos como chegar à Lua, ou porque os seios caem com o passar dos anos. Mas hoje detemos esses importantíssimos conhecimentos, pois certo dia Newton estava viajando sem fazer nada embaixo de uma macieira. Se fosse hoje, ele estaria ouvindo um Ipod e nada disso teria acontecido.
O único período em que somos obrigados a realmente não fazer nada é na hora do banho. Lá não dá pra ler, como em outra atividade que pode ser feita no banheiro, e até dá para ouvir música, mas essa se mistura com o ruído da água e fica em segundo plano. E talvez seja por isso que as pessoas valorizam tanto a hora do banho. É o espaço de reencontro com o seu eu, de esvaziar a cabeça e reencontrar a unidade, ou qualquer dessas coisas que se lê em propagandas de yoga. Podem ver que até os mais ferrenhos ambientalistas não descartam um longo e demorado banho. Preferem compensar seu impacto sobre a natureza de outra forma, desde que não afete o ritual quase sacro de reservar aqueles preciosos minutos do dia pra ficar debaixo de um chuveiro.

Para quem acha que isso tudo é papo de vagabundo, eu quero dizer que o ócio ainda vai salvar o mundo. Sim, pois, com bilhões de pessoas no planeta e as indústrias e fábricas cada vez mais automatizadas, como garantir emprego para todo mundo? Redução da jornada de trabalho, oras! O trabalhador trabalha menos para que um outro possa também trabalhar, dividindo o serviço entre os dois. O salário iria ser menor, mas de que adianta grandes quantias de dinheiro se não temos tempo de gastá-las, não é mesmo? É meio difícil de implementar isso no Brasil, mas na Europa poderia dar certo. Na mesma linha, poderia-se criar o fim de semana de três dias. Sim, é mais justo trabalhar quatro dias e folgar três do que trabalhar cinco e descansar míseros dois. Conseguiria se resolver o problema do déficit de descanso e por tabela eliminar as odiáveis segundas-feiras. Que passariam a ser as terças, mas ninguém gosta das terças de qualquer jeito. Ô diazinho morto.

Uma empresa que já sacou que ócio é negócio é o Google. Ela disponibiliza uma sala de entretenimento para quem quiser tirar uns minutinhos de ócio durante o trabalho. Ócio, esse, que é obrigatório. Os funcionários são proibidos de trabalhar sem intervalos. O Google sabe que um empregado com mais tempo de folga é mais criativo, e trata-se da empresa mais bem sucedida da atualidade. Se eles fazem isso, é porque deve estar certo.

Pelo menos é isso o que eu vou dizer ao meu chefe se ele achar que eu ando ocioso no trabalho.

2 comentários:

  1. Lembrei-me de uma música do Zeca Baleiro (amo o Zeca! Bem tiete!). Beijos.

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  2. Interessante seu texto.
    Me ajudou bastante a ter uma visao moderna do ócio e negócio. Com certeza vai contribuir muito para uma boa dissertyação na prova que irei fazer hj na faculdade.

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