O Edgar mal chegou no círculo e já foi bombardeado com a pergunta:
- O que é o "tchan" pra ti?
Ele nem pestanejou:
- São as nádegas.
Comoção na roda. Como assim, as nádegas?
- As nádegas, ora. Os glúteos. O derrière. A bunda.
- Tá, mas da onde você tirou isso?
- Ora, a música não diz? "Segura o tchan, agarra o tchan, segura o tchan-tchan-tchan-tchan-tchan". Agarra o "tchan". Agarre a bunda da outra pessoa. Passe a mão. Pensei que era algo subentendido.
- Não é "amarra o tchan?" - questionou alguém da roda.
- Sei lá. É?
- Acho que é, sim. É "amarra o tchan". Pelo menos todo mundo aqui tá trabalhando em cima dessa versão.
- Tá, mas pra quê isso?
- Estamos tentando descobrir, afinal, o que é o "tchan". Subitamente percebemos que passamos boa parte da nossa infância cantando para segurar o tchan, amarrar o tchan, ou agarrar, sei lá, e nem sabemos o que ele é. É algo que está no inconsciente coletivo, mas ninguém nunca se perguntou o que raios é o "tchan".
- Minha teoria - começou o Dido, o mais filosófico de todos - é a de que o "tchan" significa a infinitude. Compadre Washington, quando concebeu a letra da canção, estava querendo dizer que ela é algo perene, fugaz, e que é preciso segurá-la, subjugá-la, até. Em sua profunda sabedoria, ele quis passar uma lição a todos os jovens de que ela, apesar disso, é algo tangível, e ordena que é preciso capturá-la antes que escape pela nossas mãos. Já o Caco acha que é uma égua.
É preciso dizer que antes do Edgar chegar eles já tinham discutido todos os assuntos possíveis: futebol, televisão, a vida de cada um, uma breve passada por política e mais um pouco de futebol. Depois passaram para as questões mais sombrias, o sentido da vida, religiões, Deus, o apocalipse, a existência da alma. Quando encerraram todas as discussões, alguém comentou, só pra preencher o silêncio, que nunca entendera bem o que significava o "tchan". Alguém entendera? Ninguém entendera. Deram-se conta de que esta também era uma discussão maior. O que é o "tchan"? Como ninguém sabia? Era preciso descobrir. Era de suma importância saber o que é o "tchan". O fato de ninguém saber o que é o "tchan" não era só incômodo, era perturbador. Era uma questão que precisava ser respondida com urgência, porque, porque... sei lá. Mas o sentido da vida podia esperar.
A teoria da égua estava ganhando força no grupo. Uma égua fugida, que precisava ser laçada. Claro que isso abria margem para interpretações de caráter chulo, também. A égua era uma metáfora da mulher arredia, que precisa ser domada, inclusive sexualmente. A mulher vista pelo homem como se fosse um animal. O "tchan" da música era a égua que também era a mulher. A metáfora da metáfora. Genial.
- Não pode ser "surpresa"? Tchan parece uma onomatopeia.
- Desenvolve.
- Sabe, aquele som de revelação. Tipo "tchan-tchan-tchan!". O som que precede uma surpresa.
- Sim, então segurar o "tchan" seria controlar as revelações da vida, as suas surpresas, sermos nós mesmos os escritores da nossa trajetória, sem sobressaltos, rumo à infinitude que precisa ser...
- Não é a infinitude, Dido. Desiste.
Finalmente, um deles tem a ideia de puxar um celular com internet e jogar o termo no Google. Nada de notável aparece. Wikipédia, Translator, não há menções sobre a origem do nome. Eles continuam procurando na rede, mas é em vão. O maior reservatório de conhecimentos do mundo, a internet, não saber dizer o que é o "tchan". Depressão geral. Subitamente, a vida parece mais vazia. Não há explicação para o "tchan". Para todos, parece que será mais difícil acordar amanhã sabendo que não se sabe o que é o "tchan". Enquanto desconheciam suas respectivas ignorâncias sobre o termo, tudo bem. É como viver sem saber que se morre. Agora tinham uma preocupação a mais, um fardo para carregar. Uma pergunta para assombrá-los.
- Você não acha isso perturbador, Edgar?
- Eu? Não.
- Como não?
- Eu sei o que é o "tchan".
Como assim? O grupo fica confuso e ao mesmo tempo agitado. Se sabe o que é, porque não disse? E diga logo, poxa!
- São as nádegas - responde.
Barulhos de repreensão. Ainda com isso? A teoria das nádegas já tinha sido derrubada. Mas o Edgar balançava a cabeça, dizendo que não:
- Ninguém sabe o que é o "tchan". Vocês, qua ficaram a noite toda debatendo, não sabem. O autor da música não devia saber, quando compôs ela. Só achou o som da palavra legal, sei lá. Então o "tchan" é o que a gente quiser. E ninguém pode dizer que está errado, porque ninguém pode provar o contrário. Se não existe certo, então todos estamos certos. Certo?
O pessoal olhava impressionado para o Edgar. Que raciocínio impressionante! E eles achavam que ele nem estava tão ligado no problema. No final, a sua resposta era mesmo a certa.
Mas não tinha terminado. Pra finalizar, o Edgar bradiu o dedo para o grupo e ameaçou:
- E tem mais! Desde criança que eu acho que "tchan" é "bunda", cresci com a certeza de que "tchan" é "bunda", construí minha vida ao redor da certeza de que "tchan" é "bunda", e não vão ser vocês que vão dizer que eu estou errado!
E pelo resto da noite ficou quieto, mal-humorado. A discussão acabou. Duvidaram do Edgar, mas no fim, talvez ele fosse o mais correto.
Depois, o Dido diria que, no fundo, a explicação do Edgar era mais ou menos aquilo o que ele quis dizer com o lance da infinitude.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
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