quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Tarantino

Vi um cara na rua com uma camiseta do filme Cães de Aluguel com a frase "Every dog has it's day". Fiquei pensando que, como os cães do título são os assaltantes contratados, faria mais sentido se eles tivessem o nome de raças de cachorro ao invés de cores. Casaria perfeitamente. Será que o Tarantino deixou passar essa? Pouca coisa teria que mudar. No máximo algumas falas.

CHEFE: - Muito bem: você vai ser o Mr. Husky, você o Mr. Schnauzer, você o Mr. Dobermann, você o Mr. Foxhound, você o Mr. Chiuaua e você o Mr. Poodle.
MR. POODLE: - Ei, eu não quero ser o Mr. Poodle!
MR. CHIUAUA: - Ei, você está reclamando? Eu sou o Mr. Chiuaua. É quase um Mr. Merda.
MR. POODLE: - Por que não podemos escolher nossos próprios nomes?
CHEFE: - Não dá certo. Se eu deixasse, vocês iriam ficar brigando para ver quem fica com o Mr. Pit Bull. Eu escolho. Você é o Mr. Poodle.
MR. POODLE: - Ao menos Mr. Yorkshire. Eu vou ser o Mr. Yorkshire.
CHEFE: - Não dá, já tem um cara em outra missão que é o Mr. Yorkshire. Você é o Mr. Poodle.
MR. FOXHOUND: - Cara, tanto faz qual é o seu nome.
MR. POODLE: - Ah, muito fácil pra você dizer, o seu nome é o mais legal, Mr. Foxhound!

***

Temos Tarantino. E com Tarantino, temos Pulp Fiction. E Kill Bill, e Cães de Aluguel, e mais recentemente Bastardos Inglórios. Mais ou menos nessa ordem. Mas ninguém se lembra de Jackie Brown. Ou, no máximo, lembram-no como o filme que tem o Robert de Niro interpretando um cara que fica sentado num sofá. Jackie Brown não tem cenas sangrentas como os outros filmes, nem, até onde eu me lembro, nenhum Impasse Mexicano, ou seja lá como chamam aquele negócio de todos os personagens se apontarem armas ao mesmo tempo. E justamente por isso deveria levar o crédito que não recebe. É uma tentativa de Tarantino fazer um filme de Tarantino sem ser Tarantino. E ele consegue, apesar de isso ser meio que um paradoxo. Jackie Brown não tem as características dos seus outros filmes, mas dá para sentir a ironia do diretor nas cenas, nos seus personagens. E é um bom filme. Eu gosto mais de Jackie Brown inclusive que muitos clássicos do diretor. Se você já viu e achou sem graça, dê mais uma chance, mas dessa vez sem esperar por um Pulp Fiction dois. Tarantino agradeceria.


Agora, Bastardos Inglórios é o filme. Me desculpem os fãs de Pulp Fiction, mas esta é a obra-prima do Quentin. É o mais engraçado, tem os melhores atores e é magistralmente dirigido. O final poderia ter sido feito por uma criança de 7 anos, é verdade, mas isso é natural do diretor. Quando se trata de cinema, Tarantino é uma criança deslumbrada, que se comporta como se estivesse num parque de diversões. No cinema, tudo é possível, até alterar a História. Quentin não vai se prender a regras como veracidade histórica, pois elas limitam a diversão, a dele e a nossa. Ele vai fazer o que achar mais divertido. E se isso quer dizer, por exemplo, matar metade do elenco em uma cena, ele o fará. O que não surpreende, pois todo mundo já espera que o elenco inteiro morra até o final do filme.

***

Faça o seu filme de Tarantino:
- Dê um jeito de conseguir o Samuel L. Jackson. Nem que seja a voz dele.
- Divida seu filme em capítulos.
- Armas.
- Certifique-se de que o sangue jorra em jatos.
- Armas apontando umas para as outras.
- Coloque referências à cultura pop. Não se preocupe: por mais obscura que ela seja, sempre haverá alguém na internet que a entenderá.
- Comédia violenta é como uma roleta: você deixa violento demais até deixar de ser engraçado, aí você deixa ainda mais violento que a roleta dá a volta completa e volta a ser engraçado de novo.
- Redija um diálogo sobre hambúrgueres, massagens ou algo que pareça sem sentido, mas que, a uma segunda análise, pareça inteligente. Com uma terceira análise, vê-se que na verdade não havia sentido, mesmo.
- Lembre-se: palavrões são seus amigos. Use vários.
- Se até as velhinhas no seu filme estão falando palavrões, é porque você está no caminho certo.
- Se palavrões são seus amigos, sangue é a sua amante. E ela gosta de ser abusada.
- J-rock e Nancy Sinatra combinam? Ah, combinam.
- Quanto mais obscura a trilha sonora, melhor. E se contiver referências pop, melhor ainda.
- Se, ao final do filme, mais de um quarto do elenco sobreviveu, você fez algo errado.
- Se o filme fizer sucesso, o seu próximo será um fracasso. Mas o depois deste será um sucesso.

***

Quentin inaugurou um novo gênero de cinema, uma espécie de "gore-comedy", filmes com diálogos beirando o cômico e o filosófico e uma violência ultrarealista, que de tão exagerada não tem como ser levada a sério. Quando se entende isso, não há como achar seus filmes pesados. É o que diferencia o mau gosto do humor negro. Se Tarantino fizesse as suas cenas com o intuito de causar repúdio ao espectador, seus filmes seriam de mau gosto, mas não é o caso. Ao contrário, eles não causam repúdio e sim fascinação, principalmente aos seus milhares de fãs. Longa vida a Tarantino.

2 comentários:

  1. Confesso que fiquei abismado com Bastardos Inglórios, cara! Também me arrisco dizer, com dor no peito, que esta pode ser a obra de Tarantino, apesar de Kill Bill ser meu xodó e Pulp Fiction estar no meu top melhores filmes, acho que Bastardos inglórios não posui deslizes. jackie Brown não curti muito, falta um quê, um tempero e Cães de Aluguel é ótimo. Não esqueça de À prova de morte, segunda parte do projeto Grindhouse com Robert Rodriguez, e Um Drink no Inferno, no qual foi colaborador e ator. Bom texto!

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  2. Bárbaros! Estou cercado por bárbaros! Bastardos Inglórios é muito bom, mas não chega aos pés de Pulp Fiction ou Cães de Aluguel. Sério, reconsiderem.

    Ah, bem lembrado Fagner: não esquecer também NATURAL BORN KILLERS, escrito pelo homem e dirigido por aquele PÁRIA do Oliver Stone (aliás, melhor filme daquela ameba). E também TRUE ROMANCE, que é divertidinho. Mas com licença, vou lá assistir Pulp Fiction de novo -- "Want some bacon?" "No man, I don't eat pork..." etc. Herói da nossa gente!

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