sábado, 16 de janeiro de 2010

Expressões

Os esquimós supostamente possuem 70 palavras para descrever diferentes tipos de neve. O que faz sentido, pois é praticamente tudo o que eles veem durante o ano. Por conviver com neve o tempo inteiro, conseguem diferenciá-la em categorias. Eles devem ter palavras específicas para a neve mais molhadinha, quase água, para a neve mais dura, quase pedra, e algumas dezenas de jargões para tudo o que há entre esses extremos.

A nossa sociedade ocidental moderna não parece ser tão evoluída quanto a dos esquimós, em termos de riqueza gramatical, ao menos. Não temos 70 verbetes diferentes para neve, o que é desculpável já que ela não é parte essencial da nossa vida, mas poderíamos ter, por exemplo, verbetes para os diferentes tipos de expressões faciais com as quais nos comunicamos. Deve existir ao menos algumas dezenas de tipos diferentes de sorrisos, que vão do sorriso genuíno, mostrando-se as duas fileiras de dentes até quase a altura da gengiva, até o anti-sorriso, com as laterais da boca puxadas para baixo ao invés de para cima, na posição de meia lua invertida. Pouco lembrado, o anti-sorriso é usado justamente nas situações inversas às passíveis de um sorriso genuíno: ao receber uma notícia ruim, ao ver uma catástrofe iminente e ao ouvir que o Collor foi eleito senador, por exemplo. Geralmente é seguido de um barulho de sucção de ar entre os dentes, um substituto para uma interjeição como "ouch!", "quase!" ou "bah!". Não confundir com o barulho de sucção emitido por alguns machos ao verem uma fêmea com características corporais avantajadas. Som parecido, origens comportamentais diferentes.
Os gestos corporais e expressões faciais substituem o uso da palavra e são universais. Existem antes da linguagem, e alguns são inerentes ao instinto humano. Sombrancelhas arqueadas pra dentro vão ser entendidas como sinal de raiva em qualquer lugar. Um soco na cara também. Qualquer um, seja um chinês ou um aborígine, vai entender um soco na cara como um sinal de desprezo, e irá reagir igualmente, e responder com a mesma expressão universal de ódio, surpresa e dor, além de contraatacar, com a intenção assassina de desfigurar o oponente. É universal. A comunicação é uma coisa linda.

***

Os gestos e expressões corporais, mesmo depois da invenção da palavra, ainda são úteis. Muita gente ainda usa-os em situações específicas no lugar de palavras. Um muito usado é o olhar questionador, que o seu vizinho dá quando você pisa no pé dele em um elevador lotado ou que um cara em uma festa lança quando você esbarra acidentalmente nele e derruba bebida em sua roupa. É um olhar que mistura incompreensão e raiva. "O que foi isso garoto? O que acabou de acontecer aqui?", misturado com "e aí? Vai fazer o quê a respeito?". É um olhar que possivelmente atravessou os milênios, e era usado desde a pré-história, quando um homem das cavernas dava um golpe de tacape na cabeça de uma mulher e, já puxando-a pelos cabelos, esbarrava num outro homem das cavernas, que havia pego a mulher primeiro. E usava esse olhar contra o ladrão de mulher. "Qualé?". Sem dizer nada, ele questiona e espera uma resposta. Que também pode ser não verbal: uma mão levantada, com a palma virada para fora, como um "opa!" tardio, que também pode significar um "não me bate!", seguido de um polegar para cima. "Tudo certo". O polegar pra cima é uma afirmação, está tudo certo, não aconteceu nada. Quem declara que está tudo ok é você. Ok, não foi por mal. Agora com licença, vou seguir a minha vida. Quem questiona é o outro, mas quem dá a situação por resolvida é você, com o seu polegar. O que não poderia ser feito numa discussão verbal. Bem jogado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário