quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Ensinando a pensar

Entrei no elevador e apertei para descer pra garagem. A porta fechou-se, e esperei por um tempo que pareceu anormalmente longo. A porta abriu no décimo andar. Estava antes no quarto andar, o elevador subiu seis andares. A menina que havia chamado o elevador, de seus dez anos, entrou, me deu um oi econômico e apertou no sete. O elevador desceu três andares e parou no sete. A menina deu um tchau econômico e saiu.

Pensei: "essa juventude está perdida".

Não há como conceber um mundo onde uma menina, no auge de seus dez anos de idade, precise de um elevador para descer três andares. E ainda mais de um elevador que estava no quarto andar. Isso significa que ela precisou esperar o elevador subir seis andares para poder descer três. Isso tudo para não ter que usar a escada.

O elevador, para subir seis andares, leva cerca de um minuto. O que, na geração banda-larga, equivale a uns cinco minutos, multiplicados por três, para corresponder à percepção de uma criança de dez anos à passagem do tempo. O mais assustador, o que me tira o sono, é que ela preferiu esperar isso tudo só para não usar a escada. Descartou o método mais saudável e recomendável em termos de aproveitamento para poder usar as pernas o mínimo possível. Sem se importar se havia alguém (eu) preocupado em usar o elevador para descer. A menina me fez subir até o décimo andar para então descer à garagem porque ela não queria usar as pernas. Isso revelaria uma falta de consideração grave para com o próximo por parte dela, mas eu tenho a certeza de que a hipótese de que alguém mais precisasse utilizar o elevador nem passou por sua mente. O mundo, na sua percepção, não existe fora ela. E as suas pernas.

***

Em outra nota, o Colégio Anchieta completou esta semana 120 anos. É o colégio onde estudei, pra quem não sabe. Não posso dizer que foi um lugar onde me senti bem, mas isso não foi culpa do corpo docente nem da direção. O Anchieta é um colégio que preza pelos valores humanos acima da competição, pela caridade acima do ganho próprio. O modo como os alunos entendiam isso era por ajudar o colega a colar na prova, mas enfim, a mensagem era válida. O fato da direção da escola seguir essa linha e de boatos espalhados de má fé (diziam, com tom de desprezo, que os professores eram todos petistas) ajudaram a construir uma imagem esquerdista do estabelescimento de ensino. Ano passado, a revista Veja aproveitou-se dessa imagem para publicar uma matéria onde chamava o Anchieta (juntamente com outras escolas) de comunista e retrógrado. Foi o começo do meu ódio com a Veja.

O slogan "Ensinando a Pensar" não era totalmente verdade: o foco do ensino não diferia-se das fórmulas prontas que qualquer colégio ensina. O método de muitos professores era centrado na decoreba, mesmo. Por isso, faz mais sentido a mudança no slogan feita ano passado para "Ensinando a Pensar no Outro", que é condizente com a realidade. Estranhamente, há algum ruído que não faz essa mensagem chegar aos alunos. O Anchieta tem uma fama ruim entre os jovens de outros colégios, como o recanto de gente rica e esnobe, que nada tem a ver com o foco educacional da direção. Talvez porque trata-se de um colégio de elite, com uma mensalidade cara que só pode ser paga por quem é rico ou ao menos possui certo conforto financeiro. Infelizmente, o que deveria ser só uma caricatura não está muito longe da verdade. A minha tese é a de que a mensagem não chega ao público por não ter nada a ver com este. Uma educação de caridade e cuidado com o próximo não condiz a alguém que já está no topo e não irá ganhar nada com isso. Essa não é a realidade dele.

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Talvez o colégio espere que haja um caso em cada dez em que a mensagem chegue ao seu destino. Eu fui um destes casos. Sinto que a menina do elevador é do Anchieta, embora não tenha certeza. Vamos ver se o colégio tem algum sucesso em ensiná-la a pensar. No próximo, ao menos.

Um comentário:

  1. do teu andar pra garagem tb não é quase a mesma distancia que o do 10 pro 7? dhausidh e como ela iria saber que tu estava la dentro?. ok, deixando de ser chato, só queria abrir um parenteses aqui. eu acho engraçado como as pessoas pensam que ser chamado de comunista ou petista é uma ofensa. afinal, as ideologias comunistas, na sua raiz são pensando em prol das pessoas, diferente dos capitalistas. essa historia de dizer "heyyy guuys ele é comuniiiista!" é muito guerra fria, onde os comunistas eram os devoradores de crianças, e essa atitude é no minimo, engraçada. ser comunista/capitalista não é uma ofensa, é uma questao pessoal. só queria deixar isso claro :)

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