segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Impressões de Copenhague

Vergonha. É isso o que ficou da COP 15, e é isso o que ficará nos livros de história. Como eu temia, os líderes mundiais deixaram o dever de casa para ser feito muito tarde e não conseguiram terminá-lo. Sim, eu já esperava que fosse um fracasso, mas não uma palhaçada. O que aconteceu lá foi uma palhaçada para entrar para a história.

Acho que os líderes mundiais julgaram mal a dimensão do problema. Caso contrário, eles não teriam deixado para aparecer somente na última semana da reunião, para dar uma olhadela no que os diplomatas decidiram, balançar a cabeça positivamente e ficar com as glórias. A maioria chegou lá nos últimos dias para descobrir que os diplomatas não chegaram a consenso algum. Opa, devem ter pensado. Como nada de concreto fora decidido até ali, tiveram eles mesmos, faltando quatro dias para o término do evento, que discutir entre si para chegar num acordo. Caso contrário, as suas imagens políticas ficariam manchadas. Ah é, e as calotas polares iriam derreter.

Mas, olhem só que surpresa, quatro dias foi pouco tempo para elaborar um acordo mundial. Os países desenvolvidos e os em desenvolvimento ficaram batendo na mesma tecla de divisão de responsabilidades e não chegaram a lugar algum. Os subdesenvolvidos queriam que a responsabilidade de cortar emissões fosse só dos ricos. Só que Índia, China e Brasil poluem mais que a maioria dos países ricos. Eles necessitam de freios nessas emissões, senão de nada adianta o resto do mundo parar de poluir. Vejam, aí é que está a beleza da coisa: aquecimento global é um problema que, se o mundo todo não cooperar, o mundo todo (perdoem o termo) se fode. Agora não é mais hora de achar quem é o culpado. Sim, os EUA poluíram mais que nós e mesmo assim nós temos que cortar nossas emissões, é uma merda, mas o planeta não vê o responsável. Ele vai dar o troco em todos, esteja ele poluindo há vinte ou duzentos anos. Por isso, sim, cortes de emissão obrigatórios para países em desenvolvimento, sou a favor.

Mas, aí está onde eu queria chegar, tivemos, sim, um acordo em Copenhague. Por ser um acordo, e não um tratado, ele não tem valor legal, ou seja, quem assinar e não cumprir não vai ser cobrado. Deixe-me acompanhá-los através dos pontos desse acordo:
  1. Comprometimento dos países a impedir que a temperatura média mundial suba mais que 2 graus Celsius: no futuro, essa meta pode ser ampliada para 1,6 graus Celsius, o que parece bom, mas não bate com o próximo ponto do acordo.
  2. Corte de emissões de gases estufa de 20% até 2020, com base nos níveis de emissão de 1990, para países desenvolvidos: a ONU disse que o mínimo necessário para impedir que a temperatura suba mais 2 graus é uma diminuição de 25 a 40%, ou seja, uma diminuição de 20% não serve pra nada.
  3. Países em desenvolvimento não têm obrigação de estabelecer metas de redução, decidindo eles mesmos o que são capazes de diminuir: lembrando que o maior poluidor atualmente é a China, que se enquadra nessa categoria. Ela, então, poderia decidir que quer diminuir só, sei lá, 5% de suas emissões e ninguém poderia fazer nada.
  4. Criação de um fundo internacional para ajudar economicamente os países em desenvolvimento a combaterem o aquecimento global: a proposta inicial desse ponto era boa: já que os países em desenvolvivento reclamam que um combate às suas emissões iria frear seus crescimentos, os países ricos financiariam parte do esforço para que eles poluam menos. Os EUA tinham prometido inclusive 100 bilhões de dólares para o fundo anualmente. Na versão final do acordo, esse valor caiu para 30 bilhões, um valor que cresceria a cada ano até chegar aos 100 bilhões anuais que antes tinham sido prometidos desde o início. Os valores são insuficientes.

EUA e China ficaram bem felizes, pois o acordo lhes mandava fazer bem menos do que estavam sendo cobrados pela comunidade mundial. Falando em comunidade mundial, esta teve pouca interferência no acordo, que foi feito em cima da hora por meia dúzia de países. Danem-se as negociações, não é mesmo? Era isso o que os EUA estavam dispostos a oferecer; é pegar ou largar. O mundo largou. Quase ninguém reconheceu o tal tratado.

***

Essa não foi a única vergonha da COP 15. Uma palhaçada completa tem que ser completa em todos os níveis. Aí vão as minhas falhas preferidas:

Organização do evento: brasileiros, não temam mais em passar vergonha na Copa do Mundo ou nas Olimpíadas. Pra quem achava que o Brasil não tem competência para organizar eventos mundiais, a COP 15 deve ter proporcionado um grande alívio. Porque os noruegueses, eles, tão desenvolvidos, com um IDH tão alto, a nação mais evoluída do mundo, também não conseguem. Confusão na distribuição de passes para os debates (que em alguns casos deixou representantes dos países de fora das discussões), reação policial aos manifestantes digna de um Rio de Janeiro e o pedido de demissão da presidente da cúpula no meio do evento foram os pontos altos. Aliás, esse negócio da presidente, que deixou sua posição ao afirmar que "o 1º ministro dinamarquês é que deveria mediar a cúpula" me deixou pensando: se isso fosse no Brasil, certamente iria ter gente balançando a cabeça, fazendo tsc tsc e dizendo: só podia ser brasileira.

Barack Obama: na última semana tinha gente dizendo que talvez Obama não comparecesse à Copenhague, mas essas pessoas se esqueciam que ele esteve sim na cidade, inclusive no início da cúpula. Não para debater o clima, mas para receber o Nobel da Paz. No discurso de premiação, citações sobre "guerras justas", que não pegaram bem. Mas isso não entra no mérito da discussão, já que estamos falando sobre a COP 15. Pois bem, Obama foi receber o prêmio e saiu de fininho sem nem passar pela cúpula. Conforme ia ficando evidente que a conferência seria um fiasco, cresceram as dúvidas sobre se Obama iria comparecer nos dias finais. Depois de muito questionamento, ele foi, ficou 24 horas, fez um discurso em tom de ameaça para os países em desenvolvimento, negociou uma proposta pífia e foi embora. Ao invés do Obama conciliador, vimos uma outra face do governante que só agora está ficando aparente. Discursou como se o assunto fosse de interesse só dos outros países e os EUA estivessem concedendo caridade ao ajudar no fundo de combate às mudanças climáticas, quando na verdade estamos todos no mesmo barco. Muito estranho, vindo de um presidente que usava o combate às mudanças climáticas como promessa de governo.

Fuga em massa: esperava-se uma bonita foto com todos os governantes mundiais juntos ao final do evento para selar o suposto acordo ao final da cúpula. Infelizmente essa foto nunca pode ser feita, pois todos debandaram assim que ficou claro o tamanho do desastre em que se meteram. Espertamente, ninguém queria a sua imagem associada a uma vergonha do tamanho da COP 15. A delegação brasileira inteira foi embora, deixando para trás um confuso Carlos Minc para contar o que aconteceu.

Pra não dizer que foi tudo uma vergonha, vale falar bem de quem negociou direito: Sarkozy merece crédito por ser um dos únicos ricos que estava disposto a destravar as negociações entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. O delegado sudanês Lumumba Di-Aping, presidente do G77, também mostrou fibra ao peitar as grandes economias e por sua nação ser a única africana a recusar assinar um acordo malfeito. Quem saiu-se muito bem também foi o nosso companheiro, presidente Lula. Lula, ao chegar, mostrava-se otimista, mas ao decorrer das negociações percebeu a canoa furada em que todos estavam. O otimismo foi substituído por uma expressão cansada e desgastada. No penúltimo dia, subiu à bancada e fez um discurso criticando a incompetência da cúpula e dos países desenvolvidos em lidar com o problema. Para finalizar, prometeu contribuir com o fundo de apoio, mesmo o Brasil se enquadrando nos países em desenvolvimento. Verdade ou blefe, o discurso serviu para destravar as discussões naquele dia.

***

Apesar de tudo, ainda não acho que é o fim. Dificilmente um acordo sem adesão mundial irá funcionar, o que significa que cedo ou tarde os países vão ter que voltar para a prancheta e fazer algo melhor. Espera-se que até fim do próximo ano as más repercussões de Copenhague constranjam os países a assumir suas responsabilidades. Talvez em Bonn, no meio do ano que vem. Talvez no México, na COP 16. Além dessas datas, é desaconselhável esperar. Lembremo-nos que o mundo não espera.

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