terça-feira, 24 de novembro de 2009

A lady

É mais do que normal passar por situações que dão errado. Você planeja tudo, nos mínimos detalhes, para que seja perfeito, mas tudo não sai perfeito. Tudo sai o oposto do perfeito. Sai uma caca. É sua culpa? Bem, é, na verdade. Mas às vezes há situações em que o Destino, esse safado brincalhão, parece querer implicar com você. Não culpe o Destino: a culpa é de uma mulher. Uma temperamental, sacana, sem noção, que aparece de vez em quando para ferrar com a sua vida. A lady. A Lady Murphy.
De lady, só o nome. A Lady Murphy é uma vadia e ela sabe disso. Ela sempre estará presente ao longo da sua vida, fazendo manifestações em horários inapropriados. Quando algumas coisas fogem do controle, não se irrite, é normal. Agora, quando tudo o que podia dar errado dá errado, pode ter certeza que há um dedo da lady nisso. É ela quem transforma um fail num epic fail. É ela quem fará seu carro estragar quando você está indo ao hospital para o parto do seu filho. E todos os táxis estarão ocupados. E o que não estiver será assaltado. E, quando você finalmente chegar no hospital, saberá que era alarme falso, apenas contrações mais fortes que o normal. Malditas mulheres.

***

O Nando volta do banheiro com a cara encharcada. Na mesa da praça de alimentação do shopping, a Jana o está esperando há algum tempo.
- Credo, Nando! O que houve?
- Nada, só joguei uma água no rosto para me acordar.
Ele senta de frente para ela. Finalmente, depois de anos de espera do Nando, a Jana terminara com o namorado. Desde que a Jana contara ao Nando que o namoro não ia bem, há um tempão atrás, aquela chama tênue de esperança que sempre existira dentro dele virara uma grande fogueira. Só não esperava que ela ainda demorasse um ano para finalmente decidir largar o Paulo. O Paulo era o ex. Tudo bem: Nando esperou pacientemente por todo esse tempo, e agora o momento chegou. Ela está livre. A mulher dos seus sonhos, só esperando por ele tomar uma atitude. Por causa de Jana, Nando entrara na academia e começara o tratamento contra as espinhas. Se preparara física e psicologicamente para o momento de hoje. Porém, quando nos vemos confrontados com algo que parecia ser tão distante, apenas um sonho futuro, é normal ficar nervoso. Nando esperara muito por esse dia, e agora não poderia desperdiçar o momento.
- Pois é, achei estranho você marcar de almoçar comigo no meio da semana... achei que os seus horários eram meio apertados - diz ela enquanto saboreia a sua refeição.
- Pra você eu sempre acho tempo. Sempre.
- Desculpa, não ouvi.
- Nada. Come aí.
Ele já havia terminado a refeição. Havia comido extremamente rápido, e queria que ela também o fizesse. Planejou que o momento deveria ser logo após o almoço. Tinha ensaiado tudo. Primeiro, a isca:
- Sabe que eu tenho uma colega de intercâmbio que está dando em cima de mim...
- Ah, é? - disse a Jana, curiosa.
- Ah, sim, se vazando horrores. Litros. É alemã.
- As alemãs são bem safadas, mesmo. É bonita?
- Ô. Todos os meninos da sala ficam babando por ela.
- Eita. Então vai em frente!
Era agora.
- Sabe, eu acho que não... - diz ele, coçando a cabeça.
- Ué, porque não? Você não disse que ela era bonita?
- Sim, mas, por mais linda que ela seja e por mais que todos os caras quisessem estar no meu lugar, eu acho melhor não fazer nada...
A Jana estranha:
- Como assim?
- Eu acho que tem mulheres mais certas para mim...
- Ah é? Tipo quem?
- Ah, mulheres que são lindas mas também são interessantes, divertidas, engraçadas...
- Que papo de bicha. A alemã tá te querendo. Vai nela.
- Ah, mas eu disse que eu queria uma mulher interessante, divertida...
- E como você sabe que ela não é isso tudo? Eu tô te dizendo, se eu fosse homem, eu ia atrás dela.
- Mas, mas...
- Já chega grudando.
- Mas eu não quero ela, eu quero outra pessoa!
- Quem?
- Ah, você sabe, quer dizer, acho que você já sabe, não sabe?
- Não, não sei! Ai, me conta! Quem é? - ela se debruça sobre a mesa para ouvi-lo melhor, seus olhinhos brilhando. Nando fica nervoso.
- Eu, quer dizer, ah, ah...
- Quem é? Eu conheço?
- Eh... sim, sim, é uma amiga minha.
Ela volta a sentar direito.
- Ih, então vai pra alemã, que eu conheço as tuas amigas e elas são todas feias.
- Não, você não entendeu ainda? Não são elas... é... é...
- Então é quem?
Nando se sente mais nervoso.
- Nossa, Nando, como você está pálido... - Jana o olha com preocupação.
- É? Não sei, estou? Ah...
- Tá passando bem?
- Estou bem. Olha, eu queria dizer que você está linda, quer dizer, é linda, quer dizer...
- Oi?
Nando se sente enjoado. Uma sensação quente começa a subir pela sua garganta.
- Eu... olha só, eu...
Nando sente um refluxo. A sensação quente quase passa da garganta. A cara de Jana mistura medo, nojo e preocupação.
- Com li-*refluxo*-licença!
Nando sai em direção ao banheiro.
- Nando! - Jana vai atrás dele.

***

- Desculpa aê a demora.
- Imagine. Você estava mal. Foi a comida?
- Sei lá. Deve ter sido.
- Tá, tá, só fala mais pra lá, por favor. Olha, acho que eu vou embora, então.
- Mas já? É tão cedo.
- Pois é, mas sei lá, melhor eu ir...
- Espera, senta aí que eu tenho uma coisa muito importante pra falar contigo...
Os dois sentam num banco no meio do shopping. Desde que saiu do banheiro, Jana notou que Nando consumia freneticamente vários Halls que tirava de uma embalagem do bolso. Nando saca a embalagem novamente e pega dois de uma vez. Oferece à Jana, que recusa.
- Eu esperei por muito tempo por esse momento... - diz ele, num tom de voz supostamente sedutor.
- Hein?! - Jana confusa. Ele pega na mão dela.
- Eu tenho tanta coisa pra te dizer, mas eu acho que palavras não são o melhor jeito para isso...
- O quê?
- Fecha os olhos.
Nando se aproxima. Jana consegue sentir seu hálito de Halls misturado com uma leve fragrância. De vômito. Seu sentido de aranha desperta.
- Epa. Vamos com calma.
- Como assim?
- Peraí. Vamos conversar.
- Conversamos depois. Agora fecha os olhos que eu quero te mostrar uma coisa...
- Não! Sai pra lá!
Jana empurra o Nando para longe. Ele parece chocado.
- Credo, Nando, que nojo! O que você tá fazendo?
- Você não entende? Eu te amo, Jana, eu te amo! Antes você estava com o Paulo, mas agora não está mais, e nós podemos ficar juntos! É perfeito! - ele volta a se aproximar dela.
- Peraí, chega pra lá! Como assim, você me ama?
- Eu posso te dar tudo o que ele não te deu. Eu posso te fazer feliz. É só fechar os olhos...
- Não, Nando! Eu não quero nada com você!
Nando para.
- Por que não?
- Olha o que você tá dizendo! A gente é amigo! Eu não quero ficar com você!
- Mas, mas eu esperei por tanto tempo...
- E que mau gosto de me falar isso agora! Eu acabei de acabar com o Paulo! Pô, me dá um tempo!
Nando muda a postura. Fala num tom mais agressivo:
- Dar um tempo? Eu esperei um ano -UM ANO!- pra você acabar de vez com o Paulo, ouvindo você falar mal dele, dizendo que ele não te dá atenção e coisa e tal... - seu lábio inferior começa a tremer - Não me fale sobre esperar!
Para a surpresa de Jana, Nando começa a chorar. Desesperadamente. Os passantes viram as cabeças para ver o que está acontecendo. Jana está morrendo de vergonha: não tem a mínima ideia do que fazer. Tudo o que sabe é que precisa fazer o Nando parar de chorar de algum jeito. Tenta uma mão amigável no ombro.
- Calma, Nando, calma...
Nando levanta a cabeça e olha para ela com o olhar mais odioso que consegue fazer. Jana nota que suas lágrimas desenharam pequenas trilhas no creme anti-acne de seu rosto.
- Se você não me quer, eu não quero mais saber de você! Me corta! Me corta do teu Orkut, me bloqueia do teu MSN... espero que a gente nunca mais se fale!
Nando espera uma reação desesperada de Jana para não perder o amigo, mas ela não fala nada. Apenas olha para os lados calculando quantas pessoas estão vendo a cena. Mais do que ela gostaria, conclui. Nando tenta mais uma abordagem:
- Vamos lá... no fundo, você sabia que eu gostava de você esse tempo todo... no fundo, você sabia que eu te chamei aqui pra te dizer isso... e você veio mesmo assim. Você gosta de mim. Vamos, diga o meu nome, diga...
- Paulo!
- Não! É Nando! O meu nome é Nando!
Mas ela nem ouve: se levanta e vai correndo abraçar o Paulo, que, por pura coincidência, está passando pelo local junto com dois amigos. O Paulo olha surpreso para a ex-namorada enquanto ela o abraça, desesperada.
- Ai, Paulo, ainda bem que você está aqui! - diz ela, e depois cochicha em seu ouvido: - Por favor, me tira daqui!
O Paulo olha para a sua ex, olha para o Nando, que está olhando pateticamente os dois abraçados, soma dois mais dois e se dá conta do que está acontecendo. Subitamente se sente muito bem consigo mesmo.
- Ah, quer que eu te leve pra casa? - pergunta ele.
- Sim, sim, por favor! Eu faço qualquer coisa!
- Tá certo. Só vamos nos despedir do seu amigo...
Paulo caminha decidido em direção ao Nando, arrastando junto a Jana, que não tem tempo de negar a proposta. Ele é mais alto que o Nando e bem mais bonito. Os dois nunca haviam se encontrado.
- E aí, cara! Prazer, eu sou o Paulo.
Estende a mão para o Nando, que o cumprimenta, abobado. Depois continua:
- Olha só, a Jana (passa o braço em volta dela) vai voltar comigo pra casa. Acho que ela vai se despedir agora.
- Tá, me espera ali com os seus amigos que eu já vou lá. - diz Jana, indicando os amigos de Paulo com a cabeça. Os dois estão a alguns metros de distância e rindo horrores da situação.
- Não, não - responde o Paulo -, eu estou bem aqui.
E fica parado, olhando os dois, com as mãos nos bolsos.
A Jana se volta para o Nando. Por um momento fica pensando no que falar. Finalmente suspira e diz, como se estivesse se despedindo de um técnico de televisão que viera consertar a antena de sua casa:
- Bom, então é isso!
Nando se levanta. Não vai se deixar humilhar assim.
- Sim, é isso. Agora com licença, eu também vou embora.
Dá uma encarada nervosa, vira de costas para Jana e sai andando, decidido. Alguns segundos depois, ouve ela chamar seu nome:
- Nando!
Ele se vira, esperançoso. Ela está se segurando para não rir.
- A parada de ônibus é pro outro lado!

2 comentários:

  1. Ótima crônica!

    Meu cronista preferido sem duvida!

    abraço!

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  2. Baseado em fatos reais... Ou esse cara se matou ou ele fez que nem o namorado da "Ângela".

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