sexta-feira, 29 de outubro de 2010

A cultura do ódio

     Não sei se vocês sabem, mas existem certas restrições impostas a jornalistas em ano de eleições. Não dá, por exemplo, para emitir opinião sobre propaganda eleitoral. Tudo para equilibrar o jogo democrático, afinal, se a mídia quiser fazer uma panelinha para falar só os podres de um candidato e só o lado bom do outro certamente o resultado da eleição é afetado. Esse é o motivo pelo qual tenho evitado escrever sobre política, apesar de ser o momento mais propício. Sim, provavelmente nada aconteceria a um simples blogueiro, em um blog que nem tem lá muitas visualizações, mas lei é lei, né.

     Só que dessa vez eu resolvi quebrar o silêncio, e por um bom motivo. Antes eu evitava publicar as minhas opiniões até mesmo para ser imparcial, o que eu acho necessário em período de eleição (não sou contra as restrições aos jornais nesse período), mas agora eu resolvi falar porque o que tenho para criticar acontece não com um ou com outro, mas com TODOS os candidatos. Todos os dois.

     O que é essa campanha de ódio que estamos vendo na TV? Os últimos debates se resumiram a trocas de farpas entre os candidatos. Propostas, necas. O essencial não é mostrar-se o mais bem preparado, e sim pintar o outro como um monstro que levará o país a um retrocesso perigoso e potencialmente sem volta. Isso é mentira: nem Serra nem Dilma ousariam alterar bruscamente um projeto de governo tão popular quanto o atual, tenha ele suas raízes no governo FHC ou Lula. O fato é que nenhum dos dois irá mexer no Bolsa Família, na Petrobrás ou na legislação sobre o aborto, nem reprivatizar ou privatizar loucamente as empresas. São pontos polêmicos, cujas alterações desagradariam a grande parte da população e condenariam o governo do potencial presidente mexeriqueiro ao ostracismo. Muito perigoso. O ideal é deixar como está.

     Ainda assim os dois lados acusam seus opositores de radicalização, como se os planos de governo fossem opostos. E cria-se ódio e mais ódio, e factoides, e os factoides geram agressão, e a agressão gera mais agressão, e os candidatos ao invés de mandarem parar com o baixo nível se fazem de vítima por agressões com uma bolinha de papel e uma bexiga suspeita. O correto seria pedir para os eleitores baixarem a bola, mas o clima de acusações mútuas está a levar o Brasil para um cenário no qual não importa quem ganhe, metade da população não vai gostar. E vai espernear.

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     Não precisava ser assim, mas a agressão colou. Colou porque é bom odiar. É bom se dizer anti-alguma coisa. Os políticos só estão a dar ao povo o que o povo quer. É ótimo poder xingar irracionalmente qualquer coisa. Um meio-motivo já basta. Não é necessário um quadro imparcial da situação, é bom saber os fatos só o suficiente para poder ter ódio de alguém, sem saber os motivos que o levaram a fazer aquilo. O FHC privatizou porque é do mal. Não foi para renovar empresas sucateadas e sim para dar dinheiro aos estrangeiros. O PT fez o mensalão porque é do mal, e não para conseguir apoio num Congresso engessado onde a maioria era oposição. Ouvir só um lado da história é bom, porque dá motivos para odiar sem ter que entender. Entender é secundário. Entender dá menos motivos para odiar.

     Por que e quando começou essa cultura do ódio? Do ódio por prazer? Será que sempre foi assim? E os hippies, será que no fundo, por baixo daquela capa de paz e amor, eles não amavam odiar? Os alemães têm uma palavra para se referir ao prazer que temos ao ver o outro se dando mal. Como quando rimos ao ver uma vídeo-cassetada. Não tenho ideia de como é a palavra, deve ser alguma coisa cheia de consoantes, mas o fato é que esse prazer na dor alheia existe de fato. Está registrado no dicionário. O prazer na dor é o combustível do ódio. Odiar é querer ver o outro se ferrar, e se sentir bem com isso. Na Alemanha ou em qualquer outro lugar.

     Não acho que esse amor pelo ódio seja uma característica inata e sim algo adquirido com a falta de amor. Pois veja bem, alguém rejeitado, que não se adequa ao que é esperado dele, deve se sentir muito bem ao ver que não é o único tratado assim. Quem é a grande maioria dos fãs dos vídeos do Felipe Neto? São pessoas bem resolvidas ou adolescentes e pós-adolescentes, vítimas de bullying ou indiferença, que precisam provar, até para si mesmos, que existem pessoas mais ridículas do que eles e, portanto, mais merecedoras de um estigma social? Poderiam ser elas os alvos desses vídeos, mas não são, e por isso elas podem rir à vontade.

     Não é ótimo rir quando o lado menos aceito dos outros é exposto na internet, um lugar onde todos podem gerar ódio e ninguém precisa assumir sua identidade? Na internet todo mundo paga de foda e ninguém o é, senão não perderiam tempo em discussões nas páginas de comentários do Youtube.

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     Não, não: essa cultura do ódio é recente e parte das exigências que a estrutura social atual pede de seus membros. É uma estrutura que exige o alcance de patamares altíssimos, que apresenta modelos ideais impossíveis de se alcançar, que reforça a competição ao invés da cooperação. Há um perfil ideal extremamente restrito de cor, sexualidade, poder monetário, beleza, felicidade e disponibilidade de tempo impossível de ser implantado em sua totalidade em uma mísera pessoa. Ninguém o é, e todos adoram jogar isso na cara uns dos outros.

     Essa cultura surgida na estrutura econômica subiu para a superestrutura cultural e agora alcançou a política. Nunca, desde a redemocratização, houve tamanha corrente de ódio. Isso ameaça a democracia de um jeito muito óbvio: como pode um presidente odiado por metade da população governar um país? Será que destruiremos anos de construção de uma democracia forte por isso, ódio? Odiar não por o presidente ter um programa de governo ruim, mas simplesmente porque ele não é o outro candidato?

     Eu não vou pedir para que no domingo vocês votem com consciência. Votem sem ódio. Só isso. Boas eleições.

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