sexta-feira, 16 de julho de 2010

Nojento

     O Zeca era chato. Pra caramba.

     - Zeca, dá um gole da sua Coca?

     - Não.

     - Por quê?

     - Você vai beber do bico e vai babar tudo.

     - Cara, você é chato. Pra caramba. Ao menos dá o restinho.

     - Vou pensar.

     Não adiantava os amigos chamarem o Zeca de afrescalhado, ele dizia que era mesmo. Assim:

     - Afrescalhado? Sou mesmo.

     E tomava outro gole de sua Coca. Sem dividir.

     Não parava por aí. Pra tocar em tudo na casa do Zeca tinha que se lavar as mãos primeiro: nos livros, no controle do videogame, no computador.

     - No computador, Zeca?

     - No computador, sim. Sabe quantas bactérias ficam alojadas nas teclas por causa de mãos sujas? Sabe quantas?

     O Zeca sabia. E dá-lhe estatísticas pra cima das visitas, que se sentiam menos inclinadas a visitá-lo outras vezes.

     Mas o Zeca gostava muito de uma menina, a Lia. Não só ele; todo mundo desejava a Lia para si. A Lia era uma deusa. Longos cabelos lisos e loiros, longas pernas, longos cílios protegendo olhos loucamente verdes. Talvez não dê pra usar o adjetivo "loucamente" nesse caso, mas é o que melhor cabe. Os olhos de Lia eram loucamente verdes e deixavam os outros loucos. Isso e o conjunto da obra, claro.

     O Téo era um que sonhava constantemente com os olhos da Lia:

     - A, a Lia... por ela eu faria tudo. Me casava, contraía matrimônio, jurava eterna lealdade, deixava de ver o próximo filme do Batman...

     - Eu também. Faria qualquer coisa. - disse o Zeca.

     - Sério? Até dividir a mesma Coca comigo? No bico?

     - Argh!

     Mas aconteceu o seguinte: o Zeca descobriu que a Lia tinha mania de limpeza. Lavava as mãos pra tudo e não dividia canudinho. Chegou à conclusão de que ela era a mulher perfeita pra ele. Assim:

     - Ela é a mulher perfeita pra mim!

     E começou a conversar com a Lia todos os dias. Os amigos observavam os dois, pensando em como a Lia suportava o Zeca. Mas a verdade é que a Lia se identificava com ele. Por isso, foi dando abertura pro Zeca, até que um dia disse a seguinte frase:

     - Ai, Zeca... nunca achei alguém que me entendesse tão bem como você!

     Esse foi o sinal que Zeca esperava. Ao voltar pra casa, passou a noite pensando em tudo o que diria pra Lia no dia seguinte. Diria que estivera sempre à procura de alguém como ela, e que agora não a deixaria escapar. Prometeria amor eterno, confiança, fidelidade. E realmente, no dia seguinte, disse tudo isso.

     - ...E agora que eu te achei, Lia, não vou te deixar escapar de jeito nenhum! - Finalizou.

     Lia estava emocionada. Estava torcendo para que um dia ele lhe dissesse essas coisas. Aceitou. Se abraçaram. Ela olhou nos olhos dele e ele nos olhos loucamente verdes dela. Fez carícias no seu cabelo. Ele encostou seu rosto no dela. Podiam sentir a respiração um do outro. Zeca foi deslizando o rosto, aproximando sua boca da de Lia. Lia foi deslizando o corpo para longe de Zeca. Zeca não entendeu.

     - Ai, não Zeca...

     Zeca continuou não entendendo. Ela explicou:

     - Não gosto de beijo.

     E voltou a lhe abraçar, como se nada tivesse acontecido. Zeca não a abraçou. Repetiu o que ela disse:

     - Você... não gosta de beijo.

     - É, bobinho.

     - Beijo assim, tipo, beijo, beijo de língua.

     - Isso. Ui. É nojento.

     - Como assim, nojento?

     - Como assim o quê? A gente misturar salivas, eu deixar a língua de outro entrar na minha boca, eu - argh! - botar a minha língua na boca de outra pessoa, encostá-la nos dentes de outro, vai saber se acho um pedaço de comida? Iiuh, pra mim não, obrigada.

    E continuou abraçando-o. Zeca demorou um pouco pra se ligar que tinha que abraçá-la, também. Fez isso lentamente, como se não soubesse exatamente o que tinha entre os braços. E o pior foi isso: depois de uns minutos abraçados, Lia falou sussurrando em seu ouvido:

     - E não se preocupa, quem não vai te deixar escapar de jeito nenhum sou eu...

     ***

     Zeca encontrou os amigos mais tarde, no bar. Todos fizeram uma festa quando ele entrou: cantaram alto, se levantaram para abraçá-lo, parabenizaram-no.

     - Foi o Tadeu quem contou - explicou o Téo - viu você e a Lia no maior love hoje...

     - Sacana de sorte, hein? Vai ter tudo aquilo pra ti, magrão! - disse o Tadeu.

     Entre vivas e cantos, o Zeca sentou na mesa muito quieto. Ouvia os amigos ao longe, comentando como queriam estar no lugar do Zeca, que ele era um privilegiado, o que não fariam por uma noite com a Lia... meu Deus, pensou Zeca, se a Lia achava beijar nojento, o que dizer então de...

     O Zeca pegou a Coca que o Téo estava bebendo e tomou um gole. Do bico. O Téo olhou pra ele surpreso. E o Zeca disse uma frase que o Téo na hora não entendeu:

     - Já que essa é a única saliva que eu vou poder compartilhar...

     E ficou de cara amarrada pelo resto da noite.

2 comentários:

  1. Tu sabe que eu sou super tua fã, mas acho muito incrivel como eu consigo imaginar teus texos acontecendo de verdade!! Até os mais impossiveis! hhahaha
    Beijos

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  2. Hehehee! Eu tbm consigo! Ôh, se consigo...

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