- Muito bem, pode relatar o que aconteceu.
- Bom, o assalto foi ontem à tarde. Eu estava fazendo meu cooper...
- Espera, espera. Que horas foi o assalto?
- Às quatro e meia, quase cinco.
- "Cidadão foi assaltado às 5 horas da tarde de 22/06/2010". Na rua...?
- Na verdade foi na esquina da Torquato Jr. com a Marilene Silva.
- "na esquina da Rua Torquato Júnior com a Marilene Silva.".
- Isso. Ãh... só que Júnior é abreviado. Fica jota-erre.
- Como? Assim?
- É. Jota-erre. E ponto. E ali no horário também não se escreve assim. É cinco-agá. Cinco, o numeral.
- Tá bom, tá bom.
- Foi mal. É que eu sou escritor.
- Tudo bem.
- Sabe, fico pescando os erros.
- Certo. Então, o que você disse que estava fazendo?
- Estava correndo, fazendo o meu cooper.
- "O cidadão estava correndo para se exercitar."
- Não, não. Põe cooper, mesmo. É mais curto e eficiente.
- Tá.
- Na escrita, menos é sempre mais.
- Entendi. Você estava lá, fazendo o seu cooper. Aí chegou o ladrão?
- Isso.
- Chegou como? Já abordou você direto, com arma e tudo?
- Não, fingiu que queria só saber as horas. Quando eu parei para lhe informar corretamente, ele grudou em mim e disse que tinha uma faca, e que ia me furar com ela se eu não passasse a minha carteira e celular.
- "O ladrão abordou o cidadão pedindo as horas e depois disse que era um assalto. O ladrão disse que tinha uma faca e que iria furar o cidadão se ele não entregasse a carteira e o celular.". É isso?
- É.
- Quer corrigir alguma coisa?
- Não. Bem, é que...
- O que é?
- Não, deixa. Você vai me achar um chato.
- Fala.
- Não, é que você usou "ladrão" duas vezes seguidas. Não é bom repetir palavras. Sabe, fica feio pra quem lê.
- O que eu faço?
- Tenta pôr "meliante" no lugar do segundo "ladrão".
- "O meliante disse que tinha uma faca e que ia furar o cidadão se ele não..."
- Quer saber? Só coloca "ele". Está se referindo ao sujeito da última frase. O leitor irá entender.
- "Ele disse que tinha uma faca...". Ok, ok. Mais alguma coisa?
- Deixa eu ler. Ãh... É, a frase está meio mal construída. Reescreve assim: "Ele ameaçou furar o cidadão com uma faca caso este não entregasse a carteira e o celular".
- "...Carteira e celular.". Pronto. E depois?
- Depois eu passei as minhas posses e ele fugiu.
- Como? Saiu andando para onde?
- Desceu a Torquato Jr. e disse para eu seguir o meu caminho.
- "Depois de pegar a carteira e o celular do cidadão, o ladrão..."
- Já usamos ladrão. Bota "larápio".
- "...O larápio disse para o cidadão seguir o seu caminho e desceu a Torquato Júnior.".
- Júnior é jota-erre. E bota um "então" antes do "desceu".
- Como era o ladrão?
- Tipo, mais ou menos da minha altura, mas mais forte, tinha uma barba rala, pele negra...
- "O assaltante..."
- Isso. Boa.
- "...Tem uma altura de mais ou menos um metro e setenta, é negro e..."
- Não, não... quer saber? Deixa que eu escrevo.
- O quê?!
- Me dá licença? Assim... isso. Ó, a barba rala é uma coisa da aparência que pode ser mudada, já a altura e a cor não. É melhor colocar ela em uma frase separada do resto. Assim: "O assaltante é um negro de cerca de 1,70m. Tem a cabeça raspada e uma barba rala. É forte: sua estrutura corporal avantajada compensa o relativo pouco tamanho.". Mais alguma coisa?
- Hein?
- Tenho que colocar mais alguma informação?
- Não. Assim já está bom.
- E as roupas? Eu não falo das roupas?
- Não é necessário, eles mudam de roupa todos os assaltos...
- Ah, qual é? Como o personagem vai ficar crível sem uma descrição decente de aparência? Vou botar assim: "Trajava um casaco da Adidas preto, possivelmente falsificado, e uma calça de abrigo da mesma cor. Seus tênis eram velhos Kichutes desbotados como o brilho fosco de seus olhos. Sua expressão era terrível; sua voz, socos em forma de som.". Pronto. Acho que é isso. Relê tudo aí.
- Ãhn...
- Acho que está bom, né? Bom, agora é só salvar e botar no arquivo. Próximo!
- Ei, você não pode...
- Olá rapaz, o que houve?
- Oi. Eu fui assaltado ontem...
- Foi quando? De dia ou de noite?
- De noite.
- "Era uma noite sombria, na qual transitava, incauto, o nosso protagonista. Mal sabia ele que..."
quinta-feira, 22 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário