quarta-feira, 26 de maio de 2010

A linha

     Fiquei revoltado e satisfeito com a matéria sobre zoofilia da Void. Revoltado porque é nojento. O satisfeito eu explico depois. Para quem não sabe, mês retrasado a Void publicou uma matéria ensinando como seduzir animais. Para o sexo. Isso. Primeiro ensinava os melindres para se dar bem com os animais domésticos, depois os da fazenda, e culminava com uma seção sobre como se divertir no oceano. Com sexo. Não tive a força de vontade necessária para ler tudo, mas tinha uma parte sensacional sobre como fazer amor com golfinhos. E digo fazer amor, porque a revista deixava sempre claro que não se tratava de abusar dos animaizinhos, e sim desfrutar de prazer conjunto. Menos mal.

     Trago um tópico de dois meses atrás para debate porque só agora a Void publicou alguma repercussão sobre o caso. Deixou explícitas, na seção de cartas - oops, mails - deste mês, o que já vinha se comentando no boca-a-boca: quatro manifestações de nojo e incredulidade, junto com outras duas defendendo a atitude da revista. Está certo, tem que ter os dois lados. O fato de haver o dobro de manifestações contra pode indicar que a revista não tem medo de dar a cara pra bater, ou que não havia muitas mensagens de apoio (ao menos publicáveis). Mas o fato da Void prestar-se a publicar as críticas, admitindo assim a existência de indignação pública, lembra a postura adotada pela MTV naquele fatídico VMB, onde a apresentação de Caetano e David Byrne deu pau três vezes. Ao invés de ocultar o caso, torcendo para que caísse no ostracismo, o canal abraçou o erro e transformou a frase "bota essa porra pra funcionar" em vinheta. Ou seja, já que botamos o pé na merda, vamos afundá-lo de vez e fazer algo bom com isso. Deu certo. O "bota essa porra pra funcionar" não era mais um erro e sim parte do jeitinho MTV de ser. Nos enrolamos, sim, mas no final botamos a porra pra funcionar. A Void enveredou pelo mesmo caminho: sim, publicamos uma matéria que ofendeu meio mundo, mas é o nosso jeito de ser. Amem-nos ou deixem-nos. Não pensem porém que foi uma decisão fácil: a ausência de qualquer menção à matéria na edição posterior a esta mostra que eles demoraram um pouco para decidir o que fazer com a polêmica. Decidiram abraçá-la. Afundaram o pé na merda. Mas com determinação.

     E, se não foi a intenção, pelo menos o ocorrido acabou por se tornar uma bela peça publicitária. Afinal, nada melhor do que largar uma polêmica para chamar atenção. Nego ouve que tem uma revista fazendo matéria muito louca sobre zoofilia, já viu? Vai correndo pegar a sua, lê de cabo a rabo, se indigna, se revolta, cospe cada vez que fala o nome da Void, e pronto, já virou leitor cativo que espera ansiosamente pela próxima edição. Eu sei porque foi exatamente o que aconteceu comigo, maldição. Eles conseguiram.

     Agora, o porquê de eu ficar satisfeito. Há algum tempo, venho pensando qual será o próximo tabu a ser quebrado, agora que o bissexualismo não assusta mais ninguém. Tem que ser algo que é considerado contra a ordem natural das coisas, mas que tecnicamente não é ilegal. Como pegar a comida que deixam nos pratos dos restaurantes: pode fazer, mas não é bem visto. Cheguei a dois bons palpites: ficar entre irmãos e zoofilia. Ficar entre irmãos é isso aí: errado, nojento, totalmente contra os costumes vigentes, e por isso, vai se tornar a próxima moda nas baladas alternativas. É tudo o que o bissexualismo era no século passado, até que este se tornou banal. E certamente vai se tornar a porta para escapar dessa sociedade repressiva para os jovens que, cansados das regras e dos costumes anacrônicos vigentes, desejam subverter o sistema.

     Quanto à zoofilia, lembro de entreouvir uma edição do Saia Justa sobre o assunto. Não vejo Saia Justa, acho um programinha detestável, mas minha mãe vê e eu estava no recinto, fazer o quê. Não sei por que cargas d'água os animaizinhos viraram pauta no programa, mas o fato é que elas estavam discutindo se era correto ou não o ato sexual no caso do animal não sofrer no processo. Apesar de super metidas a modernetes, era visível o desconforto das quarentonas (cinquentonas? Sessentonas?) ao tratar do assunto. "É, eu ouvi dizer que tem uns vídeos brasileiros muito bons", disse uma delas, levemente gaguejante, após uma outra ter mencionado cavalos. Não era o lugar adequado, e, principalmente, não era a hora certa. O público aceita bem discussões sobre infidelidade, poligamia, lesbianismo, mas zoofilia? Ainda não. Muito cedo.

     O que não impediu a Void de fazer uma investida no assunto, propositalmente, só para chocar. A Void é uma revista alternativa, e, como tal, precisa de pautas alternativas. Alternativo é algo que não está nos meios comuns de discussão. Difícil achar algo mais alternativo que zoofilia, mas há uma fina linha que separa o alternativo do grosseiro. Às vezes as coisas não aparecem na grande mídia simplesmente por serem grosseiras demais, e, ao dar destaque para tais coisas, corre-se o risco de se fazer uma publicação de baixo nível, bagaceira mesmo. A intenção da revista foi chamar atenção, mas imagino que não de forma tão negativa. É o risco que se corre quando se arrisca muito nessa linha divisória. Enfim, fiquei satisfeito de acertar o próximo tabu a ser quebrado, mas acho que ele ainda vai continuar tabu por um bom tempo. A matéria foi apenas um começo. Boa tentativa, Void. Mas foi muito cedo. Muito cedo.

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