sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sem pé, com cabeça

Tem uma banda chamada Hotel Santa Clara da qual gosto muito. Eles são daqui de Porto Alegre mas fazem um som em inglês, que chamam de twee-pop, um estilo de folk/pop britânico. Só que o som deles é muito melhor do que o fabricado em terras bretãs. Não que eu seja ou não um fã da música britânica, mas é que eles são muito bons. Mesmo.

Lá por 2009 eles postaram várias músicas apaixonantes no Myspace. Descobri-os através da minha irmã, que me mostrou um clipe de uma música, chamada Hopefully Foolness, e eu pirei. Depois achei outras músicas, Witty Song, Fitting Silhouettes, Cold as Your Heart, boa, linda, ótima. Apesar das gravações serem demos, a qualidade musical do grupo era inegável. Eles têm um vocalista muito bom que, apesar de não cantar em todas as músicas, tem voz, pronúncia e timbre invejáveis para qualquer banda, nacional ou internacional.

A Hotel Santa Clara é uma big band, ou seja, tem músico a dar com pau: tecladista, trompetista, violinista, três vocalistas e o combo guitarras-baixo-bateria. Não esqueço até hoje um show deles em 2009, o único que assisti: eu, minha irmã e o então namorado dela, num estabelecimento que mais parecia uma casa, sem palco. A banda tocava no nível da plateia. Era a noite inaugural da Tweepopnight, a primeira festa de twee-pop de Porto Alegre. A sala onde seria realizado o show era pequena, e parecia ainda menor pelo fato de haver uma cortina tapando metade dela. O show começou com dois membros do HSC tocando uma música acústica, bonita, mas simples, à frente da cortina. Só que, perto do final da canção... BAM! As cortinas caem e revelam, além de todo o resto da banda, um palco decorado com nuvens de cartolina, charmosamente simples. Todos os instrumentistas se juntam à música numa orgia sonora. É de deixar qualquer um extasiado. Inesquecível. Lá jurei meus votos de fã, e a minha irmã comprou um bottom escrito I (coração) HSC.

No mesmo 2009 eles anunciaram um CD por vir, e eu me beliscava de antecipação. A cena musical da época era favorável ao lançamento: Mallu Magalhães estava em alta fazendo músicas em inglês no Brasil, então o público estava pronto para receber propostas similares. Talvez, quem sabe, eles fizessem barulho no país inteiro? Talento eles tinham. Competência sonora, mais ainda. Com uma boa divulgação eles chegariam longe. Só que...

Só que não aconteceu. Porque a banda acabou.

Uns poucos meses antes do lançamento oficial do cd, a Hotel Santa Clara fechou as portas. Do nada. Num dia estavam postando notícias das gravações no Twitter, no outro não estavam mais juntos. Foi abrupto desse jeito.

Fiquei meio sem entender. Pensei que ia ser um tempo, só, mas o tempo foi passando, passando, e nada. Aí caiu a ficha que eles acabaram mesmo. E caiu a segunda ficha, que não haveria cd. Que aquelas demos, uma amostra do que a banda seria, eram o que de mais oficial restara. Até hoje escuto as músicas, mas me sinto estranho. Ninguém as conhece, por melhores que sejam. Não há ninguém que possa conversar comigo sobre elas. As próprias pessoas que as comporam já seguiram em frente e deixaram suas criações à própria sorte, melodias abandonadas no deserto da internet, para algum explorador encontrar por acidente.

Fiz todo esse preâmbulo para falar que a vida não segue uma cronologia lógica como um filme, com começo, meio e fim. Nem precisa necessariamente ser sem pé nem cabeça: pode ter pé e não ter cabeça, ou ter cabeça sem pé. Pode ser uma coisa com total sentido, de total importância, que simplesmente ficou pela metade. Como a última obra de arte do pintor, aquela que fica inacabada e é bela pelo que é, e mais ainda pelo que poderia ser. Como uma amizade que prometia muita coisa, mas foi interrompida por uma viagem ou, sei lá, pela morte. Como uma carreira interrompida por qualquer motivo. Como um relacionamento que acaba sem ter porquê.

O Myspace do Hotel Santa Clara é este, e algumas das faixas que ficaram prontas para o álbum não-lançado podem ser encontradas aqui. Talvez o fato de mais pessoas conhecerem essas músicas faça-as vivas de novo. Quem sabe.

Tem gente que acha que é mais bonito se algo belo nunca se completar, porque a promessa do que poderia ter sido é infinitamente mais bela do que a realidade blablá... Sei. Não acho. Queria muito saber como seriam várias coisas que ficaram pra trás antes de desabrochar. Inclusive a Tweepopnight, da qual nunca mais ouvi falar. Nem da casa de shows sem palco, aliás, cuja localização nunca mais encontrei. Talvez tenha sido engolida pelo passado, onde existirá eternamente. Talvez exista até hoje em alguma dimensão do espaço-tempo, hospedando bandas finadas com músicas não-gravadas, frequentada por uma plateia de gente sem face que não existe e, por isso mesmo, canta alegremente o repertório, brindando com suas cervejas de marcas falidas.

Ou talvez eu esteja enlouquecendo.

2 comentários:

  1. ba gio, podia ter me dito dessa banda. btw, nice post, fazia tempo que tava parado

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  2. caramba, eu nem me lembro como conheci, mas também me apaixonei por essas musicas e videos perdidos na internet. mas infelizmente não tive a chance de conhece-los, sou de Recife... o que resta é aproveitar esses demos :/...

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