O homem
passou pelo grupo de quatro cabeludos, então parou e voltou, como num filme rebobinado.
- Por
Deus! Metaleiros!
O
senhorzinho, um tipo estranho de óculos e cavanhaque pontudo, olhou fascinado
para o quarteto, que o olhou de volta, confuso.
- Como é
que é?
-
Metaleiros genuínos! Pensei que vocês estavam extintos! Bom Deus, não vejo um
metaleiro desde... Nossa, acho que desde 2005! Fascinante!
- Ei,
larga a minha roupa!
- Perdão.
Só queria inspecionar o tecido. Camiseta preta do Guns n' Roses, falsificada. O
cabelo, as correntes, o colar de pentagrama... Sim, é tudo como nos livros...
- Olha,
não sei qual a sua intenção com isso, mas não acho...
- Só um
momentinho, estou ligando para a minha esposa. Alô, Lourdes? Lourdes, você tem
que ver isso!
Os
metaleiros, desconfortados, trocaram olhares. Por um lado pensavam que deviam
se sentir ofendidos, de algum modo, mas a excitação do homem parecia tão
verdadeira que nenhum deles tinha coragem de repreendê-lo.
-
Desculpem por isso – disse o homem, ao desligar o celular - Eu e minha mulher
somos antropólogos, e isso é realmente uma descoberta especial... Quem diria,
metaleiros! Em plenos anos dois-mil-e-dez! Pensei que todos tinham desaparecido
após o Grande Inverno de 2006... Sim, um período terrível para a música em
geral. Como se safaram dessa?
- Sei lá,
cara, nós não escutamos rádio, então ficamos meio alheios do que a galera anda
ouvindo. Eu ligo o meu som de casa, boto o Iron pra tocar e fica tudo certo.
- Hmm...
Se entocaram para preservar a energia vital... Muito esperto, muito esperto.
- E, bom,
sempre tem a Internet. A gente se encontra por afinidades, marca de dar umas
bandas juntos, ouvir uns sons...
- E ainda
por cima deram um jeito de manter a coletividade! Oh, os artigos que eu poderia
escrever sobre isso! Mas quantos de vocês sobraram? Como se reproduzem? Noto
que só há machos no grupo.
- Ei! O
que está sugerindo?
- Não
sobrou nenhuma fêmea? Ai, meu Pai! Estou com representantes de uma civilização
extinta, bem na minha frente!
- Isso é
uma piada sobre a gente não comer ninguém? Já
tive que aturar bastante disso no colégio.
- Do que
se alimentam? Noto que estão magros. Pobres almas, devem vagar errantes por
esta terra estranha atrás de pedaços de carniça...
- Na
verdade o Beto mora bem ali...
- Façamos
o seguinte: hoje vocês jantarão na minha casa. Vou ligar para a Lourdes e pedir para ela
preparar a mesa. Pai Celestial! Ela vai ficar maluquinha!
Na
verdade estavam todos meio quebrados e um jantarzinho de graça não seria má
ideia. Além do mais, o homem parecia muito empolgado e seria uma crueldade com
ele recusar o convite.
- Tá bom,
mas é só um jantar rápido.
- Não se
preocupem, vou pedir para a Lourdes deixar a carne quase crua. Afinal, não
queremos dar nada que o organismo de vocês não esteja acostumado... - e deu uma
piscadela.
***
-
Querida, trouxe visitas!
Já era
noite quando chegaram na mansão do homem. Era uma casa enorme, afastada, no meio do nada. O hall de entrada desembocava
numa grande sala com decoração medieval. No centro, uma mesa de madeira com
seis pratos. Uma mulher entrou na sala carregando uma terrina. O senhorzinho a apresentou:
-
Metaleiros, esta é a minha mulher, Lourdes.
Lourdes
largou a terrina na mesa e parou em frente ao grupo, examinando-o com olhos
desconfiados.
- Hmm, o
cabelo, as correntes, o colar de pentagrama... Tem certeza de que eles são
legítimos?
-
Absoluta, meu amor. Chequei todos os detalhes.
- A
camiseta do Guns n' Roses?
-
Legitimamente falsificada - disse, abrindo um grande sorriso.
A mulher
continuou a inspecioná-los com os olhos durante mais algum tempo. O grupo já estava
cheio disso. Tá bom, iam ganhar um banquete de graça, mas a situação estava ficando
chata. A mulher os estava examinando como animais, o que era, no mínimo,
uma insensibilidade, ainda mais com as visitas.
Lourdes
se deu por satisfeita:
- Está
certo. Desculpem os meus modos e os de meu marido. Sejam bem-vindos. Por favor,
sentem-se à mesa, fiz um belo assado de porco para vocês.
Ufa, pelo
menos agora ela falou conosco, pensaram. E o assado tinha um cheiro delicioso. O grupo prontamente obedeceu o pedido da anfitriã e sentou-se
à grande mesa. Enquanto se
serviam da carne de porco, Lourdes trouxe mais comida.
- Muito
bom mesmo, dona Lourdes! - disse um dos metaleiros - O assado está ótimo. E as
batatas, então, nem se fala.
A comida
estava tão boa que o grupo não ousou questionar por que o casal não se sentara
à mesa com eles. Dúvida esta que foi sanada quando, de súbito, grades subiram
do chão e os cercaram, formando uma jaula. Os prisioneiros gritaram, mas o
casal sabia que era só não dar atenção e logo eles desistiriam. Foi o
que aconteceu com todos os outros.
Às vezes
o marido se sentia mal por aprisionar pessoas em sua casa, mas sabia que estava
fazendo um bem para a espécie. Eles provavelmente não sobreviveriam
muito tempo no mundo lá fora, onde a seleção natural destruiria as minorias já
enfraquecidas. E além do mais, era um belo presente para se redimir com a
mulher.
- Que
bacana, né, Lourdes? Você sempre quis metaleiros...
- Cala a
boca Mauro, que eu não me esqueci do João.
João era
o dark que morreu quando Mauro
esqueceu de alimentá-lo por duas semanas. Mauro ficou calado. Ela tinha razão,
mas aquilo já fazia dois anos, pombas. O tempo passa. A gente aprende.
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