Era uma casa muito engraçada. Não tinha teto, não
tinha nada. Engraçado, pensou o João. Casa sem teto, onde já se viu? Até deu
uma olhada no endereço: Rua dos Bobos, nº 0. Era ali mesmo. Aquela era a casa
que comprara. Mas não podia ser. Resolveu telefonar para o Osmar. O Osmar era o
corretor de imóveis que havia lhe indicado a compra. O telefone tocou uma,
duas, três vezes. Atendeu. Alô, Seu Osmar? João, como vai? Olá João! Curtindo a
nova casa? Muito engraçada essa casa, seu Osmar. Passei para dar uma olhada e
vi que a casa não tinha teto, não tinha nada. É claro que não tem nada,
respondeu o seu Osmar, como se estivesse falando com uma criança. A compra foi
de um imóvel não-mobiliado. Não é isso, seu Osmar. A casa não tem teto. Onde já
se viu casa sem teto?
Opa. Seu Osmar estranhou. Você já entrou na casa?
Não, nem eu nem ninguém pode entrar nela não, porque na casa não tinha chão. É
só um buraco. Um grande buraco, seu Osmar. Minto, tem uma rede jogada no meu
terreno. Estão usando a minha casa como depósito de lixo! Seu Osmar pensou
rápido. Ora, João, veja pelo lado positivo. Uma casa sem chão, um ar rústico,
não era o que você queria? E sem teto, dá para dormir sob o céu estrelado, na
terra batida, ainda, caso você não queira mobiliá-la. João respondeu que dormir
no chão de terra batida não era a sua ideia de rústico. Preferia até dormir na
rede jogada no chão, mas nem isso ele podia, dormir na rede, sabe por quê, seu
Osmar? Porque na casa não tinha parede. Não tinha parede para pendurar sua
rede, suas pinturas nem sua coleção de botões que havia mandado emoldurar
especialmente para a casa nova. Uma casa com paredes era o mínimo que ele
exigia. Calma, seu João. Calma nada, seu Osmar! A situação está ficando
insustentável, seu Osmar. Ele, João, não podia fazer pipi, porque penico não
tinha ali. Penico, seu Osmar! Estava disposto a abdicar dos três banheiros que
haviam lhe prometido na planta baixa por um reles penico, mas nem isso havia
ali. Veio à nova casa pronto para inaugurar o banheiro e agora não estava mais
conseguindo se segurar.
Primeiro, seu João, não desdenhe
da casa, afinal, ela foi feita com muito esmero. Segundo, em nenhum lugar
estava escrito que a casa tinha três banheiros. E depois, muitas pessoas
matariam para ter uma casa como esta. Pense nas vantagens. A casa não tem
paredes, mas por isso mesmo é superventilada e possui iluminação natural. E tem
mais: a ausência de paredes proporciona um contato sem igual com os vizinhos.
Maravilha, respondeu João, só que eu não quero ter esse contato com os meus
vizinhos quando eu estiver no banheiro, que aliás inexiste, como a minha bexiga
faz questão de lembrar.
Seu Osmar disse que não podia fazer nada. João já
havia comprado a casa e assinado os termos sem olhar. João ficou fulo. Pegou um
pedaço de pau e atirou no gato-to. Atirou para matar. Mas o gato-to não morreu.
“Gato-to!”, admirou-se Dona Chica-ca, com o berro do gato. O que foi isso,
perguntou seu Osmar, do outro lado da linha. É o berro do Gato-to, o gato da
Chica-ca, minha vizinha. Como assim, Gato-to, Chica-ca? É que ela é de uma
família de gagos, explicou João. Os pais a registraram como “Chica-ca” porque
não conseguiam pronunciar o nome corretamente, e ela não consegue chamar o gato
dela de outro jeito, então ficou “Gato-to” mesmo. Isso não faz nenhum sentido,
disse o seu Osmar. Pois é, veja só a vizinhança que o senhor me arranjou,
respondeu João.
Dona Chica-ca foi tirar satisfações com João. Seu
João-ão, começou Chica-cá, mas João a interrompeu, disse que estava no meio de
uma ligação importante e que sabia que o que fez foi errado, mas discutiriam
isso depois. Estava cuidando da compra de sua casa. Aliás, muito engraçada-da,
a sua casa-sa, disse Dona Chica-ca. Não tinha teto-to, não tinha nada-da.
Gostei-tei. Meio rústico-co. Ok, disse João, apenas não fale “rústico”
novamente, o cacófato é horrível. Seu Osmar, ouvindo tudo pelo telefone, sugeriu
que João negociasse o imóvel com Dona Chica-ca, aí todos sairiam felizes. Faz
sentido-do, Dona Chica-ca admirou-se-se. João deu uma olhada na fachada da casa
de Dona Chica-ca e gostou do que viu. Os dois fecharam o negócio, um ficou com
a casa do outro e no final o pau no Gato-to foi perdoado, até porque ele não
morreu-rreu. Que bom-bom, disse João, se atrapalhando. Quando terminou de
assinar os termos foi que João se lembrou de perguntar: tem banheiro na sua
casa? Não, tem só penico-co. Aff.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
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