quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Reportagens

Há exatos 5 anos, Jaqueline Silveira era uma jovem como qualquer outra: preocupada em terminar o segundo grau e indecisa sobre seu futuro. Vivia a famosa crise dos 17, de decidir o que fazer da vida, quando teve um estalo: iria ser profissional do sexo.
- Eu estava indecisa entre Biologia e Medicina - conta Jaqueline, sentada no pufe da sala de seu apartamento na zona nobre da cidade. - aí eu descobri essa profissão. Fui me informar e gostei. É uma carreira que proporciona muito contato humano. Não é aquele trabalho frio, de ficar fechada numa sala, de frente para um computador, isolada. Não gosto disso. Eu gosto é de lidar com pessoas, de conhecer gente nova todos os dias. É muito emocionante. - Conhecer, nesse caso, inclusive no sentido bíblico do termo.
Jaqueline conta que na época procurou em todas as faculdades por um curso que pudesse lhe ajudar na carreira, mas não achou:
- Acho uma grave deficiência nas universidades brasileiras, essa de não haver uma faculdade voltada para essa área. Tem gente que acha que é uma profissão fácil, qualquer um pode ser. Não é assim. O mercado está muito saturado. Tem uma profissional do sexo em cada esquina. Literalmente. A saída é se especializar, se qualificar, mas como fazer isso sem uma faculdade voltada para nós?
A saída foi estudar sozinha. Jaqueline passou a aprender por conta própria sobre comércio e marketing. "Afinal", conta ela, "não deixo de ser uma comerciante, né? Tenho que mostrar que o meu produto é melhor que o das outras".
Fora isso, uma boa profissional precisa se manter atualizada.
- Leio todas as obras de sexologia e sexualidade que consigo por as mãos. Já li todos os manuais sexuais publicados este ano, incluindo as "50 Maneiras de Amar com os Pés", do dr. Phil Steinberg. Recomendo.
Ainda assim, prefere os clássicos:
- Leio e releio o Kama Sutra direto. É o meu livro de cabeceira.
Investir em todo esse material não sai barato. Além disso, Jaqueline possui um plano estendido na academia e uma nutricionista para cuidar do corpo. Seu empenho fez com que pudesse ser aceita em uma das grandes casas do ramo de profissionais do sexo, de projeção internacional. Resolveu que era importante cursar inglês, francês e alemão, pois clientes estrangeiros são comuns.
- Inglês eu estou bem, francês eu arranho um pouco. Alemão eu comecei faz pouco, mas já aprendi o básico, hündchenstellung, ga sneller, niet op de anus, essas coisas.
Ela confessa que foi um sufoco convencer os pais a pagarem esses cursos, mas Jaqueline convenceu-os de que era importante para construir seu futuro. Hoje, ganha mais de 500 R$ por dia de trabalho e se sustenta sozinha. Mas não para por aí:
- Eu quero ir mais além. Não porque necessito de mais dinheiro, mas porque quero crescer como profissional. Quero ser a melhor do meu ramo.
E para isso estuda muito. E pratica é claro, pois não testa nada de novo sem antes aperfeiçoar à exaustão. Para isso pede ajuda a seus amigos.
- É um trabalho que não pode ser aperfeiçoado sozinho, então ela pede uma ajuda minha - diz Francisco Moura, um amigo de Jaqueline, brilhando de suor. - agora mesmo estava ajudando ela a mestrar uma nova posição que ela aprendeu. Ela fica meio chateada de me roubar tempo com isso, mas eu digo que não tem problema - abre um grande sorriso - amigo é pra essas coisas.

***

Henrique Boal tem uma frase que define sua vida:
- O bem estar dos outros é o meu bem estar.
Seu trabalho de médico cirurgião consome muito tempo, mas sempre arruma algum para fazer trabalhos de caridade. Rico e bem sucedido, é só com isso o que se importa:
-Eu consegui tudo o que quis na vida: sucesso, dinheiro, mulheres. Agora é hora de ajudar quem não conseguiu. - explica.
Mas seu pouco tempo livre precisa ser bem administrado. Ele mesmo explica:
- O serviço me consome muito tempo, então não posso fazer tudo o que queria. Tenho que me concentrar em ajudar quem não recebe amparo algum. Crianças carentes e mendigos possuem várias ongs que os apoiam. Se também eu trabalhasse com eles, sei lá, sinto como se desperdiçasse meu tempo com algo que já está sendo resolvido.
Boal conta que estava numa festa, onde foi levado "meio que à força" por amigos que insistiam que ele precisava se divertir, quando viu algo que o direcionou para o seu caminho:
- Estava eu então nessa festa, com a mente absorta nesses assuntos, quando vi uma mulher, sentada não muito distante. Gordinha, feinha, sem graça. Estava cabisbaixa, nenhum homem se aproximava dela. Daí veio o estalo. Essa mulher estava carente. Ela precisava de ajuda. Minha ajuda!
Boal se aproximou da mulher, puxou conversa e poucas horas depois estavam num motel.
- Dei tudo de mim. Ela disse que foi a melhor experiência de sua vida - conta, feliz.
Decidiu formar uma ong, a AD, ou Amigos do Dragão. Toda a semana o grupo sai pelas festas prestando caridade a mulheres desamparadas de amor masculino. Para Boal, não importa o quão repelente a mulher possa ser: se ela está necessitada, um dos ADs deverá ajudá-la. Mas admite que já ocorreram complicações:
- Às vezes tem uma mulher que o cara acha que encara, mas lá pelo meio do trabalho vê que não vai aguentar o tranco, aí tenta passar pra outro colega. Eu acho isso uma vergonha: o homem se comprometeu a fazer um trabalho, ele deve dar cabo dele até o fim.
Em ocasiões assim, normalmente o próprio Boal termina o serviço, pra dar o exemplo.
- Eu encaro qualquer uma mesmo. Estou aí pra isso. - diz, orgulhoso.

***

A Igreja Pentagonal do Capital do Reino de Deus poderia ser uma igreja evangélica como qualquer outra. Não é. Há algum tempo essa igreja vem atraindo mais e mais fiéis com um discurso diferente. Nossa equipe foi presenciar uma missa regida pelo responsável, Padre Ciço, para tentar desvendar esse mistério.
A igreja estava lotada. A maioria dos presentes era de gente simples, humilde e pobre. À frente de todos, como num palco, Ciço desenvolvia o seu sermão:
- Gente, vou contar uma coisa pra vocês, uma história muito triste. Estava eu, passando por uma loja, essas lojas que vendem tv de plasma, e resolvi entrar. Achei uma televisão linda, linda, minha gente, linda como a graça do Senhor. Quarenta e duas polegadas, tela plana, linda como a graça do Senhor, minha gente. Mas ouçam! O vendedor quis me vender a tv por três mil reais. Eu tentei convencê-lo de que era um simples servo do Senhor, que estava nessa terra, minha gente, para fazer cumprir a Sua palavra, e que por isso precisava de uma tv de plasma, mas ele não me ouviu. Ele não tem o espírito de Jesus com ele, minha gente. Ele não quis me dar um desconto. Isso é muito triste, muito triste, minha gente. Muito triste. Por isso, meus queridos fiéis, eu vou passar a cesta agora, e vocês vão doar o que podem, para o Padre Ciço poder comprar a tv dele, tá bem? Vamos ajudar o Padre Ciço a comprar a tv dele.
Os fiéis doam quantias absurdas, bem mais do que parecem poder pagar, mas não se arrependem.
- Eu doo mesmo - diz o aposentado Laurindo Costa, 66 anos. - O Padre Ciço me mostrou que a salvação se consegue através da ajuda ao próximo. Então, eu estou ajudando ele.
Depois da missa, o Padre Ciço fala um pouco conosco sobre a Igreja:
- O povo ajuda porque vê que é verdadeiro. A gente nunca mente para os fiéis. Ensinamos que Jesus salva quem ajuda ao próximo, e pedimos a ajuda deles para comprar as nossas coisas. Não somos como as outras Igrejas, que dizem que o dízimo vai para um lugar e depois pega o dízimo para si. A gente não mente nunca. A gente pega pra nós e diz. O povo valoriza a sinceridade.
Mas será que todos entendem a mensagem da igreja? Padre Ciço fala que a maior parte sim. A outra parte ouve o nome de Jesus Cristo e vai correndo doar dinheiro sem saber o que é, mas aí, diz ele, "não é nossa culpa".
- Já tentaram nos processar. Não estamos fazendo nada de ilegal. O meu advogado comprova.
- Realmente, eles não fazem nada de ilegal - explica Carlos Manuel de Andrade, advogado de Padre Ciço e, curiosamente, também seu primo. - O destino do dízimo é claramente explicitado durante as missas. Depois, temos até as notas fiscais das compras para provar que o destino foi aquele mesmo. Carros, apartamentos, temos todos os gastos comprovados. Com licença, meu celular.
Andrade atende o seu celular. É o Padre Ciço. Eles conversam animadamente.
- Desculpe, era o primo me convidando pra ir no El Segredo. A Jaqueline trabalha lá hoje, eu não posso perder. Mas então, onde estávamos? Ah, sim, tudo dentro da lei. É um trabalho sério, não é falcatrua.
Estranho ou não, o número de fiéis da igreja cresce a cada dia. E a cada dia Padre Ciço faz um sermão mais acalorado:
- Minha gente, estou decepcionado. Ontem vocês não me deram dinheiro suficiente para comprar a tv de plasma. Jesus está vendo que vocês não estão se sacrificando por ele e pelos seus irmãos. Jesus não gosta disso. Vocês querem que eu, o Padre Ciço, que vem aqui todo o dia para auxiliar vocês, que me doo tanto para falar com vocês, que ajudo vocês a alcançarem a Salvação! Vocês querem que eu continue com a minha tv velha de 29 polegadas? Que vergonha. Deus está olhando.

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